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Androids & Demogorgons

TV KILLED THE CINEMA STAR

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16 de Agosto, 2019

Succession: A (Des)Humanização da Família

Sara

Quando me preparava para escrever este artigo de opinião sobre o regresso de «Succession», da HBO, alguém me perguntou como descreveria a série. Demorei-me nesta questão durante alguns instantes, mas a resposta seguiu com naturalidade: trata-se de um drama familiar ficcionalizado, que não tem receio de gastar mais tempo a dar-lhe contornos da (nossa) realidade.

 

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Mas o que quero eu dizer com isto? Seja em burocracias, em jogadas de bastidores ou em meras conversas entre personagens, o argumento não se apressa e dedica a cada detalhe toda a sua atenção. Assim como aconteceria se o drama dos Roy fosse verídico – afinal, não dá para fazer fast forward ao mundo real ou depender demasiado da componente espectáculo, que nem sempre está presente. E é sobretudo isto que faz de «Succession» uma série que se destaca num universo já tão populado de dramas familiares e de negócios. A natureza "documentário" da história, com qualidade e todos os ingredientes habituais, que nos quer contar… E um elenco absolutamente estratosférico.

 

Brian Cox, Jeremy Strong, Kieran Culkin, Sarah Snook, Alan Ruck e Matthew Macfayden são apenas alguns nomes num elenco de estrelas, que não causaria qualquer tipo de "estranheza" se fosse de um filme de Hollywood. Para quem pudesse pensar que Brian Cox era um golpe de marketing – o piloto até "enganou" nesse sentido –, desengane-se, o ator está bem e recomenda-se. A segunda temporada continua a permitir-lhe brilhar e até sobe de nível, com Logan Roy (Cox) a revelar novos contornos da sua já questionável personalidade. O balanço entre o homem de negócios e o pai de família ainda não é totalmente claro

 

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Também todos os seus filhos têm espaço para crescer, ter a sua storyline individual e intervir, sempre que necessário, na história principal. A tensão é constante, a empatia do espectador com as personagens tem diversas camadas, potenciada pelas escolhas duvidosas, os momentos de choque e o peculiar convívio dos Roy. Kendall (Strong) surge agora numa posição de maior fragilidade, mas a sua derrota anunciada é constantemente uma ilusão. Há muitos jogos de bastidores, conspirações e é difícil perceber, frequentemente, por que equipa joga cada personagem. Estamos perante um argumento de mestre, que alia na perfeição a comédia mais obscura e a ironia presente no próprio drama. Não é portanto de estranhar que o criador, Jesse Armstrong, tenha um grande traquejo na comédia («Fresh Meat», «Peep Show»…).

 

«Succession» é uma trama que vive à boleia dos acontecimentos, nem sempre imediatos mas nem por isso menos impactantes. Há também uma vertente estereotipada da riqueza, claramente refletida na desumanização de algumas atitudes dos Roy e de quem os rodeia, tratando as vítimas do seu comportamento como irrelevantes. E política, não só com as linhas da primeira temporada, mas também com o idealista Connor (Alan Ruck) a entrar em novos campos e interesses, a "piscar" o olho à veia "influencer" dos políticos. Destaque ainda para a irresistível personagem de Kieran Culkin, o principal motor cómico da série, cuja vida sexual vai encontrar finalmente solução… ou algo parecido.

 

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A série da HBO, que regressou recentemente e lança um episódio novo por semana, é uma odisseia do mundo moderno, com esquemas calculados e meticulosos, sem preocupação com eventuais danos paralelos. A segunda temporada sobe de tom, dá ainda mais voz às personagens e o conflito está longe de ser apenas com o exterior… A não perder!

 

 

Texto originalmente scrito para a Metropolis.