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Androids & Demogorgons

TV KILLED THE CINEMA STAR

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27 de Fevereiro, 2018

Seven Seconds: Longe Vai o Tempo Em Que Tínhamos Todo o Tempo do Mundo

Sara

Embora sem apresentar um tema novo, «Seven Seconds» assume uma abordagem inovadora, exigindo ao espectador uma participação ativa ao longo do processo. A nova série da Netflix marca o regresso de Veena Sud, a criadora da «The Killing» norte-americana, que aprendeu com os 'erros' e opta por uma abordagem mais direta.

 

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Para quem não conhece a sinopse de «Seven Seconds», e parte rumo ao desconhecido, o episódio piloto é verdadeiramente absorvente (ou para quem, como eu, tem memória de peixe e se esqueceu entretanto). Peter (Beau Knapp) conduz por entre a neve em direção ao hospital, para onde a esposa, grávida, foi levada numa emergência. Chamada para aqui, chamada para ali, até se ouvir um 'baque' intenso, que o próprio condutor demora a perceber de onde veio. A irromper pelo silêncio, que adia a revelação mais do que anunciada da tragédia, eis que se destaca o som das voltas aparentemente intermináveis da roda de uma bicicleta.

 

Este choque acidental não parece ter grande história, mas a verdade é que a sociedade ainda continua a encontrar formas de nos surpreender – que é como quem diz, basta um drama ser humano, tenha artifícios ou não, para ter à sua disposição um sem-fim de possibilidades. «Seven Seconds» não é uma trama surpreendente, aborda até tópicos que já conhecemos bem demais, nomeadamente o preconceito e as divisões sociais, mas inova através das suas personagens. Desta forma, já o caso parece resolvido – embora não saibamos ainda quem é a vítima – quando somos fintados por um trio de polícias. Mike DiAngelo (David Lyons) descobre, finalmente, a pessoa colhida e decide, unilateralmente, ocultar o acidente. Ainda não sabemos o que ele quer evitar, mas desconfiamos...

 

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Influenciados pelos estereótipos sociais – fomentados inclusivamente pelo mundo das séries –, logo suspeitamos que se trata de alguém da comunidade afro-americana. Não estamos enganados. Ao jeito de um puzzle, vamos tendo uma pista aqui e ali acerca de quem pode ser, sendo que a presença portentosa de Regina King, bem ao seu estilo, deixa antever que a sua personagem vai estar no centro do problema. Na verdade, o adolescente ceifado acidentalmente por Peter, e que afinal foi deixado à sua sorte ainda vivo, é o filho de Latrice (King) e Isaiah (Russell Hornsby). As culpas apontam para um idoso acólatra, uma mentira conjeturada pelas autoridades, da qual o espectador acaba por ser testemunha.

 

Com a manipulação da informação que nos chega, ou não, «Seven Seconds» não julga apenas as suas personagens, mas também as interpretações do público – baseadas na forma como cada um vê a realidade. O conhecimento do caso vai chegando de forma doseada, até a advogada alcoólica KJ Harper (Clare-Hope Ashitey) aceitar olhar para o adolescente em coma numa cama de hospital, já perto do final do piloto. Numa mensagem direta à própria audiência, a criadora deixa o sinal claro de que é impossível continuar a ignorar o que acontece à nossa volta, bem como a crítica social arrasadora e bem real que habita a ficção de «Seven Seconds».

 

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Multiplicam-se frequentemente, pela imprensa e não só, casos de violência policial para com cidadãos afro-americanos. É isso, aliás, que DiAngelo usa para manipular Peter, que se quer entregar à Justiça. Segundo o comandante da polícia, Peter arrrisca-se a pagar não apenas pelo acidente no qual participou, e cuja culpa foi agravada pelo facto de não ter prestado logo socorro à vítima, mas também pelos outros casos que têm marcado a atualidade dos Estados Unidos. Ao mesmo tempo, as figuras políticas de Jersey garantem que a cidade tem passado à margem todas as polémicas: por mérito próprio ou por encobrimentos regulares? Fica a questão.

 

A narrativa de «Seven Seconds» é simples, mas rica pelas leituras que possibilita. A televisão, mesmo de ficção, é uma casa preparada para receber, mas também para oferecer novas perspetivas: tem uma janela para o globo, observando a realidade passada e presente, e uma porta, de onde podem sair novas ideias e, sobretudo, novas discussões. Embora tenha diferentes storylines, que vivem de forma independente mas estão destinadas a cruzar-se, a nova série da Netflix assume um fio condutor claro e que, certamente, será explorado ao longo dos próximos episódios.