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TV KILLED THE CINEMA STAR

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28 de Julho, 2017

Ozark: Nem Só de Algoritmos Vive o Seriólico

Sara

Será «Ozark» uma espécie de «Breaking Bad: Ruptura Total» da classe alta? Não só, mas também. Jason Bateman tenta um 'número' à Bryan Cranston e, tal como o mítico ator que brilhou como Walter White, quer provar que nem tudo é risos com ele. A nova série da Netflix, lançada na totalidade no passado dia 21, é um drama obscuro e cruel, onde não há certo ou errado - há apenas escolhas. E o final nem sempre é feliz: ironicamente, isso também se aplica à própria série.

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«Ozark» mostra-nos logo ao que vem. O discurso de abertura, numa voz-off arrebatadora de Martin Byrde (Jason Bateman), um contabilista que faz lavagem de dinheiro nas horas vagas, é um murro no estômago da sociedade consumista em que vivemos. O dinheiro não é paz de espírito. O dinheiro não é felicidade. O dinheiro é, na sua essência, a medida das escolhas de um homem. Ao mesmo tempo, e enquanto a imagem vai acompanhando as palavras, em ritmo acelerado, somos confrontados com a aparente normalidade do protagonista. Assim como acontecia com o inesquecível Walter White de «Breaking Bad: Ruptura Total», ou os Rayburn de «Bloodline», não há em Martin, à partida, nada de especial. É, essencialmente, o pilar em torno do qual a narrativa se vai fixar e desenvolver.

 

E é exatamente aí que começa o problema. «Ozark» é demasiado familiar: não porque nos provoque particular empatia com as personagens ou com os seus problemas, mas sim porque nos lembra algo que já vimos antes. Além das séries já referidas, poderíamos lembrar «Narcos», também da Netflix, «Mad Men» ou «Ray Donovan». Não é preciso pensarmos muito para encontrarmos referências a velhas conhecidas, nomeadamente séries que têm uma personagem principal masculina (e branca) e que, de alguma forma, a desenham como um improvável anti-herói. Bill Dubuque e Mark Williams, os criadores da série, até podem ter ido ao encontro do algoritmo e dos estudos de audiências da Netflix - e, concretamente, do público-alvo de «Breaking Bad: Ruptura Total» -, mas falharam o essencial: criar uma identidade própria para lá da amálgama de (boas) influências.

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Não obstante, nem só de droga e dinheiro sujo vive a série. Ainda antes de a sua rotina mudar incontornavelmente, com o cabecilha de um cartel de droga mexicano, Del (Esai Morales), a disparar a torto e a direito, Martin é confrontado com a traição da mulher, Wendy (Laura Linney). Incapaz de lidar com a situação, reage de forma amorfa e deixa-se conduzir apaticamente pelo que tem, talvez na ilusão efémera de que, pelo menos, a vida profissional lhe corre bem. As Ozarks, na Califórnia, apresentam-se assim como a alegoria prometida, um escape da destruição eminente. Como já sabemos o nome da série, a única dúvida é o que vai acontecer para justificar uma mudança tão significativa para esse destino de sonho.

 

Ter duas situações de quase-morte no episódio piloto, com figuras cruciais da trama, funciona como um anti-clímax da narrativa, uma vez que é evidente que vão escapar. Ainda assim, é inevitável que tal aconteça, para dar o balanço que faltava à ação - este efeito é, todavia, perturbado por uma banda-sonora demasiado literal. Tal como num filme de terror, nem sempre precisamos de música assustadora para antecipar o que vem a seguir. Por outro lado, o facto de a família ter conhecimento do 'berbicacho' em que Martin está envolvido adiciona um novo nível de interesse a «Ozark», desde logo porque implica um subnível de profundidade das personagens, desprendidas do estereótipo dos subúrbios. Mais uma vez, a série evidencia a relação íntima entre as escolhas e as consequências, apontando as culpas (e os elogios) diretamente para os indivíduos e não para a sua falta de sorte.

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Além do papel principal, Bateman assumiu as rédeas de produtor executivo e de realizador - por falta de tempo, acabou por dirigir apenas quatro episódios e não a totalidade, como pretendia. Apesar de cumprir, denota um olhar de intérprete e não de realizador - ou seja, o universo visual dos episódios filmados por si carece de densidade imagética, que, por seu lado, é compensada por um maior destaque do discurso. A escolha técnica (e legítima) de Bateman é, em teoria, uma mais-valia para o argumento, mas, ao mesmo tempo, funciona também como um handicap da tal escuridão que «Ozark» transporta consigo. Embora a fotografia nos ofereça isso de forma imediata, com tons mais escuros, a obscuridade tarda em ser explorada além da superfície.

 

Li recentemente, numa crítica encontrada por aí, que Jason Bateman não tem qualidade para ter os holofotes focados em si, isto é, para encabeçar um elenco. A bem da verdade, e tal como também era referido lá, o maior castigo acaba por cair sobre os atores secundários que, na interação com o protagonista, parecem ficar sempre aquém. É como se o clímax anunciado de cada cena desacelerasse sempre que a fala calha a Bateman. Competente nos papéis secundários que vai amealhando, o ator poderá não ter carisma suficiente para suportar a responsabilidade de levar a história às costas. Ainda assim, esta será sempre um opinião não consensual. Em contrapartida, o hype que Julia Garner, de 23 anos, tem conquistado recentemente, sobretudo depois de participações bem conseguidas em «Grandma» (2015) e «The Americans», transformou-a num inesperado atrativo para a série.

 

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