Sentei-me a ver o primeiro episódio da segunda temporada de Jessica Jones. Como é habitual antes de uma nova temporada começar, a Netflix disponibiliza um resumo da temporada anterior. Dá jeito para não entrar numa nova temporada com memórias em falta e sobretudo dá jeito para repensar mensagens importantes. Foi o que me aconteceu: só conseguia pensar em como a primeira temporada é uma poderosa metáfora para o papel e poder da mulher numa sociedade sexista e, especialmente, em relacionamentos abusivos.
Se a primeira temporada lida com o processo de sair de um relacionamento abusivo, a segunda começa por mostrar que as marcas ficam mesmo após esse processo ser finalizado. Há consequências com as quais as vítimas têm que lidar toda uma vida mesmo que a vida continue. E é aqui que se percebe que o problema vai além de uma pessoa abusadora – que não poderá ser desresponsabilizada, obviamente – e que o mal está, de facto, enraizado na sociedade.
Jessica Jones é uma super-heroína com super-força e, ainda assim, viu-se obrigada a sorrir perante os poderes de persuasão e controlo mental de Killgrave. E é aqui que se encontra o paralelo: ele é uma representação do sexismo instaurado na sociedade.
O controlo de homens sobre mulheres é maioritariamente social e psicológico. Esse controlo é existente tanto na rua e entre estranhos com os sorrisos que nos são "pedidos" (porque é esse o papel da mulher) como em relacionamentos mais próximos. E engane-se quem pensa que relacionamentos abusivos são coisa de gente fraca – aliás, envergonhe-se quem assim o pensar, isso não é uma questão de opinião: é culpabilização da vítima e isso é grave – porque Jessica, cuja força é tanto física como traduzida em atitude, sorriu dessa vez. Sem brilho nos olhos. Submissa. Porque é isto que um relacionamento abusivo faz: destrói e marca até a pessoa mais forte. E não é culpa dela.
Não é por acaso que a segunda temporada saiu hoje, Dia Internacional da Mulher. E também não é por acaso que a segunda temporada vai ser totalmente dirigida por mulheres. É uma tomada de posição como a que tomou – e vai tomando, porque as consequências são permanentes – Jessica. Uma heroína não se define por algum super-poder que tenha: é uma mulher que todos os dias, de diversas formas, mais subtis ou mais extremas, é vítima de uma sociedade patriarcal que a manda calar, sorrir e abrir as pernas contra a sua vontade e que, ainda assim, sobrevive, luta e segue em frente.