Conviction: Hayley Atwell merecia melhor
Se Shonda Rhimes desenvolvesse uma série sobre uma filha de Bill e Hillary Clinton, seria provavelmente parecida com «Conviction», talvez com um pouco mais de factor-choque e menos previsibilidade. Mas, apesar de ser uma série da ABC – e nos lembrar constantemente o universo de «Scandal» e «Como Defender um Assassino» –, não estamos em "Shondaland". A série, lançada em 2016 e (re)exibida pela FOX Life a partir de segunda-feira, 30, foi cancelada após um 'afastamento' progressivo e nada subtil. [Texto escrito aquando da estreia em Portugal]
Hayes Morrison, interpretada pela brilhante Hayley Atwell, vem juntar-se ao leque de protagonistas femininas do canal norte-americano e, numa versão ficcional e hercúlea na linha de «Making a Murderer», tentará tirar os inocentes da prisão. A jovem advogada, filha de um ex-Presidente dos EUA e de uma candidata ao Senado – a lembrar os Clinton –, passa a encabeçar a unidade Conviction e, já se sabe, irritar todos aqueles que foram responsáveis pela condenação dos presos cujos casos voltam a estar em análise. Para castigar ainda mais a falta de originalidade da série, soube-se entretanto que, na terceira temporada de «Como Defender um Assassino», Annalise Keating (Viola Davis), terá uma equipa a defender pro bono quem não teria ajuda de outra forma.
Contudo, Hayes não assume as novas funções por vontade própria, mas sim porque Conner Wallace (Eddie Cahill), o procurador público, a usa como derradeiro golpe de marketing da sua unidade. Tudo porque ela começa a série atrás das grades, após ser detida por posse de cocaína, e Wallace, ameaçando um escândalo público, aproveita para desenhar um acordo que o favoreça. Mais conhecido pelo seu papel como Don Flack em «CSI: Nova Iorque», Cahill estava desaparecido desde «Under the Dome», sendo uma das agradáveis surpresas de um elenco muito promissor. Destaque também para o regresso de Emily Kinney, a eterna Beth de «The Walking Dead», Shawn Ashmore, de «Os Seguidores», e Merrin Dungey, de «A Vingadora». Já Manny Montana e Daniel Franzese, que conquistaram o público em «Graceland» e «Looking», respetivamente, também marcam presença entre as personagens principais.
A ABC está claramente interessada em manter a londrina Hayley Atwell [que em breve será uma das estrelas da minissérie «Howards End», da BBC] – que apresenta aqui um sotaque americano perfeito –, apesar de ter cancelado «Agent Carter» ao fim de duas temporadas, mas a nova aposta do canal oferece-lhe um papel tão aumentado (e exagerado) que, na prática, acaba por ser redutor perante as suas capacidades. No primeiro episódio de «Conviction», Hayes consegue deambular por todas as variações da sua personalidade: apresentada de uma forma sexy atrás das grades, ela é uma pessoa revoltada e bastante calculista, mas depressa percebemos que tudo não passa de uma defesa e ela, afinal, até tem um bom fundo.
Não obstante, é profundamente irónico criticar a construção da protagonista quando Liz Friedman, uma das criadoras e argumentistas de «Conviction», já integrou a lista de produtores e escreveu para séries com personagens femininas muito fortes, como é o caso de «Xena – A Princesa Guerreira», «Orange is the New Black» ou «Jessica Jones». Mas a verdade é que a advogada Hayes Morrison se perde na falsa complexidade de ser uma "bad girl" com um bom fundo, que não revela a ninguém. O truque é antigo e, neste caso em concreto, está longe de resultar.
A fórmula do "bad boy”/“bag girl" é das mais usadas em cinema e televisão e, se ainda ponderássemos dar o benefício da dúvida, temos a confirmação que é mesmo o caso quando, depois de uma conversa emocionante com a mãe Harper (Bess Armstrong), Hayes mostra o seu lado de filha amargurada e deixa escapar algumas lágrimas. Este é, aliás, um momento decisivo para a personagem, que deixa de ver a história de Odell (Maurice Williams), o condenado que tentava inocentar, como o caso de "apenas" mais um jovem negro e interessa-se por conhecê-lo melhor. A revelação é de tal forma profunda que, no final do episódio piloto, Hayes garante a Wallace que não a tem na mão como pensava e que usará a unidade Conviction para fazer justiça – indo, inclusivamente, atrás dos casos do procurador. Na prática, a hipérbole emocional, que revoluciona a um ritmo rápido a narrativa, reduz a redenção da protagonista a 40 minutos.
O piloto tem claramente o propósito de nos apresentar as personagens, criando expectativas perante o que se avizinha, mas isso acontece a um nível demasiado amplo. Cada elemento da sua equipa, que Hayes não pôde escolher, é um estereótipo de uma profissão ou de uma situação que, mais cedo ou mais tarde, trará consequências para a narrativa. Por exemplo, Maxine Bohen (Merrin Dungey), uma brilhante ex-detetive da NYPD, filha de um membro exemplar da polícia, começa por defender a profissão a todo o custo, mas acaba por se render às evidências quando um ex-protegido do pai, Jim McNally (John Kapelos), revela o seu passado corrupto. Mais uma storyline com algum potencial que se decifrou logo no primeiro episódio...
Por outro lado, não demorou muito a acontecer a sexualização da personagem. Sendo expectável, e até natural, numa série como esta, o constante uso do corpo de Hayley Atwell, seja através do choque ou de fatos provocadores, parece demasiado forçado. Além disso, a tensão sexual com Wallace, com quem a protagonista até poderá ter-se envolvido no passado, deixa desde logo adivinhar o que «Conviction» nos poderá reservar no futuro. Perante o elenco que temos, é uma pena. Hayley Atwell já provou a sua versatilidade e potencial, mas, olhando para a série que ocupará a sua agenda nos próximos tempos, e caso o argumento não melhore ou se afaste dos traços de “novela”, será [e foi mesmo] um desperdício de talento.
Texto originalmente publicado na Metropolis.