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Androids & Demogorgons

TV KILLED THE CINEMA STAR

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TV KILLED THE CINEMA STAR

29 de Maio, 2020

Love Life: A Aritmética do Amor

HBO Portugal

Sara

A HBO Portugal disponibilizou ontem os primeiros três primeiros episódios de «Love Life», uma comédia romântica protagonizada por Anna Kendrick, que transita este ano do cinema para a TV. Originalmente publicado na Metropolis.

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Para quem tem saudades de «Foi Assim que Aconteceu» [How I Met Your Mother], nada temam: aqui está uma série focada no derradeiro amor, que se dedica, contudo, a contar a história dos relacionamentos da personagem principal com os ex. Com intervenientes secundários mais esquecíveis, é certo – ainda que tente inverter esta tendência, a espaços, com Bradley (Scoot McNairy).

À boleia de uma voz off, que lembra filmes como «(500) Dias com Ela» (2009) ou séries como «Pushing Daisies», vai-se desenhando o propósito da narrativa. Assente numa espécie de “matemática das relações”, «Love Life» coloca Darby (Anna Kendrick) no ponto zero e, ainda que o final seja antecipado, a viagem é desconhecida. Anunciada como uma antologia, centra-se, a cada temporada, na história de um/a protagonista do primeiro ao último amor; mostrando um sem fim de agruras, lugares-comuns e desilusões que vão surgindo ao longo do caminho.

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A premissa da mais recente aposta da HBO é simples e, desde logo, tem a capacidade de agarrar o seu público-alvo ou perder aqueles que ali chegaram ao engano. Pode quase falar-se de seleção natural da série criada por Sam Boyd – que apresenta até agora um currículo tímido –, e cuja estrutura narrativa segue a linha de «Modern Love», mas de forma mais demorada.

Darby (Kendrick) é uma mulher com uma vida comum, ingénua e focada em encontrar o seu final feliz. Toda a ação se desenvolve à sua volta, entre colegas de casa, encontros inesperados e uma ilusão constante de que encontrou o amor da sua vida. Sem grandes artifícios ou storylines surpreendentes, «Love Life» procura, em vez disso, ir à vertente estereotipada dos relacionamentos: o esperar de uma chamada ou tomar a iniciativa, o romance com alguém recém-saído de um divórcio… É uma constante desconstrução da “matemática” que lhe serve de base, ao jeito de uma “rom-com” moderna e descomplexada.

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Os diálogos têm propósitos sobretudo humorísticos, ainda que as pequenas “tragédias” que vão acontecendo a Darby motivem conversas mais sérias. O ritmo leve e descontraído de «Love Life» torna-a uma série fácil de ver, ainda que não desenvolva sobremaneira as personagens secundárias – mantendo-as a uma espécie de distância de segurança; e recorrendo maioritariamente às mesmas quando precisa de algo para alimentar a continuação do conflito interno de Darby. Contudo, a operação à base de “uma-história-por-episódio” acaba por fortalecer a abordagem mais superficial da trama.

Publicitada como a série de lançamento do novo serviço HBO Max nos Estados Unidos, a série despertou grandes expetativas que, ao não serem correspondidas, fizeram chover um chorrilho de críticas. Mesmo não se tratando de uma estreia incrível, «Love Life» acaba por dar resposta a um público ainda vasto – os fãs de comédias românticas –, ainda que “peque” pela incapacidade de procurar uma audiência mais generalizada. Trata-se da segunda série de Anna Kendrick, que recentemente protagonizou a curta «Dummy», da plataforma Quibi.

 

 

28 de Maio, 2020

Six de Volta Para a Despedida

TVCine Action

Sara

A série focada na equipa SEAL Six começa a escrever o seu desfecho hoje à noite, pelas 22h10, no TVCine Action.

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É certo que a aposta em séries sobre equipas SEAL norte-americanas tem sido intensa na última década, ainda que as histórias de sucesso sejam escassas. «SEAL Team», emitida em Portugal pelo TVCine Action, é uma das raras exceções. Já «Six» acabou por encontrar o seu fim após duas temporadas curtas, mas com duas storylines genericamente bem desenvolvidas.

Depois de um final de temporada intenso, com Rip (Walton Goggins) a ser atingido a tiro e com o futuro incerto, «Six» começa a alta velocidade e com as emoções à flor da pele. Com a equipa a reencontrar-se na sequência da tragédia, com Bear (Barry Sloane) a assumir a liderança, entra em cena uma atriz querida pelo público, Olivia Munn. De certa forma, a sua personagem, uma agente da CIA, tenta fazer o contraditório à perspetiva masculina que reinou na T1, ao mesmo tempo que procura desafiar os estereótipos de género.

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Torna-se quase irónico dizer que um dos vetores narrativos de «Six», originalmente do canal History, não teve grande impacto na trama, mas revelou-se parte do segredo do êxito de «SEAL Team». Falamos do equilíbrio entre cenas de ação e a vida familiar dos envolvidos, que não é fácil e contribui muito para tornar as personagens mais complexas e incentivar o envolvimento da audiência.

Embora a realização e as cenas de ação sejam geralmente bem conseguidas, já os diálogos nem sempre conseguem acompanhar esta qualidade. Usados para potenciar o estado emotivo das personagens e revelar o seu lado humano, soam frequentemente a algo exagerado, mas sem conteúdo prático. Algumas conversas são, por isso, pouco credíveis e, ainda que procurem a empatia do espectador, perdem-se no seu processo de concretização.

 

 

 

27 de Maio, 2020

UnREAL: Os Reality Shows à Lupa

TVCine Emotion

Sara

A segunda temporada de «UnREAL» estreou no TVCine Emotion esta noite, pelas 22h10. Texto originalmente publicado aqui.

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Ainda que longe do impacto de audiências de outros tempos, os reality shows mantêm-se bastante presentes no quotidiano das grelhas televisivas. Entre fórmulas bem conhecidas e tentativas de inovação, a verdade é que o tópico permanece atual e até quem não acompanha se vê submerso de notícias relacionadas com estes programas a cada acontecimento mais polémico. Um bom exemplo disto mesmo é a expulsão ocorrida ontem no BB2020.

Uma alegoria do que podem ser os bastidores dos reality shows e programas de variedades, «UnREAL» denuncia um sem fim de possibilidades que coloca em causa a autenticidade deste tipo de conteúdos. Por um lado, a facilidade de manipulação a que os concorrentes estão expostos, além da ténue barreira que separa o mundo real e o mundo televisionado; e que nem sempre é fácil de separar.

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Incumbida de produzir a nova temporada de "Everlasting", Rachel (Shiri Appleby) não tem um desafio fácil pela frente: manter ou aumentar as audiências do reality afigura-se uma tarefa impossível. Decidida a incluir o primeiro protagonista afro-americano, Darius Beck (B.J. Britt), Rachel tem de superar algumas barreiras e receios das hierarquias superiores, ao mesmo tempo que conta com a ajuda de Quinn (Constance Zimmer) e continua a confundir os limites.

Com o drama sempre em alta e uma sucessão de twists sensacionalistas, «UnREAL» transforma-se no próprio produto que quer criticar, criando uma realidade interativa e que "provoca" a audiência. Ainda que viva muito à superfície e aposte num tom construtivo mais light, a série criada por Marti Noxon e Sarah Gertrude Shapiro alia o divertimento à análise crítica dos reality shows e pode ser um bom "snack" para acompanhar nas próximas semanas.

 

 

 

26 de Maio, 2020

Yellowstone Regressa à TV Portuguesa

TV Cine Emotion

Sara

Um dos dramas familiares mais bem-sucedidos dos últimos dois anos, pelo menos no que aos EUA diz respeito, «Yellowstone» centra-se na problemática e peculiar família Dutton. Após uma primeira temporada competente, o grupo está de volta à TV portuguesa, com uma dose extra de drama e, claro, muita confusão e intrigas de bastidores.

 

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Com o império constantemente ameaçado por várias frentes, John (Kevin Costner) coloca mais responsabilidades em Kayce (Luke Grimes), um improvável herdeiro do legado até há pouco tempo. Assim como acontece em «Succession», a possibilidade concreta de o patriarca morrer leva a que comece a cultivar os alicerces do que virá depois. Já Beth (Kelly Reilly) continua a afirmar-se como uma das melhores personagens da série, enquanto Jamie (Wes Bentley) tenta crescer à distância.

 

Entre a cobiça de setores rivais e a corrupção política e governamental, não é fácil perceber se há lados certos ou errados no decorrer da ação. Mesmo quando um dos lados parece exagerar nas suas ações, o outro responde na mesma medida (ou com ainda mais violência). A situação no bar das proximidades do Rancho, no primeiro episódio da segunda temporada, é um bom exemplo disso mesmo. Ninguém se mete com os Dutton; mas quem o fizer irá pagar por isso. Esta trajetória narrativa fortalece-se na transformação de Kayce, que marca o fio condutor da história contada ao espectador.

 

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Com storylines paralelas que fortalecem a linha principal, «Yellowstone» assemelha-se a um puzzle organizado afincadamente, mas onde até a mudança do peão mais insignificante pode mudar a corrente do jogo. Com mais duas temporadas já confirmadas, a série veio mesmo para ficar.

 

 

Texto originalmente publicado na Metropolis

 

19 de Maio, 2020

Quatro Casamentos e um Funeral: Regresso (Feliz?) às “Rom-Coms” dos Anos 90

AMC Portugal

Sara

Está marcada para esta noite a estreia na TV portuguesa do spin-off de «Quatro Casamentos e um Funeral» (1994), às 22h10 no AMC. Assisti aos dois primeiros episódios (e ao filme de Hugh Grant para refrescar a memória).

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Numa era com tanta oferta televisiva e de streaming, «Quatro Casamentos e um Funeral» teve sem dúvida alguma dificuldade em conquistar o seu lugar, quando estreou no verão de 2019. Criada por Mindy Kaling e Matt Warburton para a Hulu, a história foi pensada com uma série limitada – inspirada no filme de 90 mas sem depender diretamente dele – e não há ainda indícios de uma possível segunda temporada. Quem sabe se o lançamento internacional vai trazer alguma surpresa – veja-se, por exemplo, o caso de sucesso do AXN, que tem conseguido assegurar a continuidade de séries como «Absentia» ou «Carter» graças ao seu êxito além-Estados Unidos.

Há um “acontecimento digital” que sintetiza a avaliação de «Quatro Casamentos e um Funeral», que tem estreia marcada hoje pelas 22h10 no AMC Portugal. No site Rotten Tomatoes, os críticos atribuem 42% à série (de 1 a 100), enquanto o público a coloca nos 82%. A verdade é que a trama protagonizada por Nathalie Emmanuel (Game of Thrones) não é particularmente incrível a nível técnico ou de estilo, mas responde a um público específico: os/as fãs das “rom-coms”, ou comédias românticas, sobretudo da década de 1990.

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Estas estavam frequentemente repletas de clichés, grandes gestos românticos e uma quantidade considerável de drama e exagero: recordemos filmes como «Pretty Woman: Um Sonho de Mulher» (1990), «O Casamento do Meu Melhor Amigo» (1997), «Doidos por Mary» (1998) ou «Notting Hill» (1999). Julia Roberts e Hugh Grant – que protagoniza «Quatro Casamentos e um Funeral» (1994) ao lado de Andie MacDowell – são dois dos atores-referência dessa época, que ainda hoje encontra audiência um pouco por todo o mundo. Como seria de esperar, a série do AMC serve de homenagem e cai nos mesmos vícios narrativos, de forma propositada, recriando um romance à anos 90 na atualidade.

A história é agora encabeçada por uma mulher, Maya (Nathalie), enquanto Duffy (John Reynolds) dá alguns ares ao look de Grant no filme 1994, ao mesmo tempo que é a Fiona (Kristin Scott Thomas) deste spin-off: apaixonado há 10 anos por uma das suas melhores amigas. Assim como Carrie (Andie MacDowell), Maya é a norte-americana que viaja até Londres, onde vive o seu grupo de amigos, composto por Duffy, Ainsley (Rebecca Rittenhouse) e Craig (Brandon Mychal Smith). Apaixonada por um homem casado, a personagem acabou por rejeitar a ida com eles para “Terras de Sua Majestade”, e tudo o que experiencia na série acontece com algum delay.

3.jpgDestaca-se ainda uma storyline paralela ao estilo de «Giras e Terríveis» (2004) ou «A Melhor Despedida de Solteira» (2011), com Maya a ter um confronto com Gemma (Zoe Boyle), que se tenta afirmar com a melhor amiga de Ainsley. Também no cast central, encontramos Nikesh Patel e Tom Mison (Sleppy Hollow, Watchmen), além de uma participação especialíssima – mesmo que breve – de Andy MacDowell.

«Quatro Casamentos e um Funeral» segue um conjunto de imprevistos “previsíveis”, que transportam o enredo para onde se esperava. O dilema romântico é expectável e, numa ação ritmada e à “rom-com”, as diferentes personagens vão conquistando o seu espaço e a storyline vai-se tornado mais consistente. Uma das artimanhas do argumento é o seu humor, tanto verbal como físico, que contribui para aumentar o interesse do espectador – ainda que a empatia com os protagonistas nem sempre seja conseguida. O elenco destaca-se também por ser mais diverso do que aquele que habitualmente encontrávamos nas comédias românticas do passado, onde a maioria (ou totalidade) dos intervenientes eram brancos.

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Uma coisa é clara: a série foi pensada para um público-alvo concreto. Como tal, é normal que se encontrem “ódios” e “amores” à série, consoante o gosto ou não pelo cinema romântico dos anos 80 e 90. Acima de tudo, é uma experiência divertida e agradável de visualização, baseada numa narrativa simples e sem surpresas, que corresponde às expetativas que habitualmente temos quando decidimos ver uma “rom-com”.

 

Texto originalmente publicado na Metropolis

 

 

18 de Maio, 2020

The Great: Da Rússia com Amor – E uma Grande Dose de Absurdo

HBO Portugal

Sara

Nomeado aos Óscares pelo Argumento de «A Favorita» (2018), Tony McNamara repete a dose com a escrita de uma minissérie focada no casamento de Catherine, “The Great”. A trama protagonizada por Elle Fanning e Nicholas Hoult já chegou à HBO.

 

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Assim como acontecia no filme de Yorgos Lanthimos, que valeu o Óscar de Melhor Atriz a Olivia Colman em 2019, «The Great» não se propõe a contar uma história absolutamente factual, nem sequer perto disso. A declaração é feita desde logo na abertura da série onde, por baixo do nome em letras garrafais, surge um asterisco: “ocasionalmente uma história verídica”. Para quem preferir uma abordagem mais perto da realidade, a HBO tem outra série no catálogo, protagonizada pela incrível Helen Mirren: «Catherine, The Great».

 

Dúvidas houvesse em relação ao exagero por via da ficção, basta recorrer à Internet para perceber que, quando Catherine casou com Peter III, este ainda não era Imperador (tal como sucede na série) – casaram em 1945 e ele tornar-se-ia líder apenas em 1962 e por um período de seis meses. Crê-se também que o Imperador da Rússia era uma pessoa mais sensata do que a personagem de Nicholas Hoult (Mad Max, X-Men, Skins), ainda que as diferenças com a Imperatriz fossem várias e acabassem com o seu homicídio. Catherine, “The Great” daria então início ao seu reinado de poder, que se estendeu até 1796.

 

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Nicholas e Elle Fanning, agora uma Catherine numa versão mais jovem, apresentam-se ao seu melhor nível. A personagem do primeiro é tão bizarra que funciona como a principal ferramenta para a comédia da série, ainda que muitas vezes somente por vergonha alheia. Pouco fiel, muito impulsivo e totalmente ignorante da realidade do povo e da guerra, Peter (Hoult) revela constantemente a sua imaturidade e incapacidade para liderar quem quer que seja. Já Catherine, que se mostra muito inocente e romântica no início, começa a transformar-se e prepara a tomada do poder a qualquer custo – com vista a fortalecer os direitos das mulheres e a defender os interesses da população e do Exército.

 

Desde o teste para perceber se Catherine é efetivamente virgem – quando o Imperador já mantinha relações múltiplas e às claras – ao entrave à liberdade de discurso e educação das mulheres, a série traça de uma maneira muito peculiar o ecossistema do século XVIII. Assim como acontecia em «A Favorita» (2018), a história avança livremente e sem qualquer cuidado com a veracidade dos acontecimentos ou da personalidade das personagens. Tudo é levado ao extremo, com os problemas a serem intensificados e as situações a tornarem-se cada vez mais surreais, à medida que o tempo avança. Num jeito caricatural da época a que se refere, «The Great» é uma série despretensiosa e sem grandes preocupações, seja de estilo ou contexto – e ganha muito com isso.

 

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Fora das festas extravagantes – onde ainda assim enfrentam expectativas distintas –, homens e mulheres são separados e acabam em atividades “adequadas” ao seu género e estrato social. Tudo é ridicularizado, com Catherine e sobretudo Marial (Phoebe Fox) a serem a voz da razão perante o testemunho do espectador; com uma quebra drástica em relação aos restantes, que na sua maioria anuem ao estabelecido. Ainda que falte algum do brilho que marcou o filme de Lanthimos, «The Great» é uma série competente e que oferece uma revisitação fora do habitual do passado – ainda que esta abordagem esteja cada vez mais na moda.

 

Destaque para a presença, no elenco, de Gwilym Lee (Jamestown), Douglas Hodge (The Night Manager, Penny Dreadful), Sacha Dhawan (Iron Fist) e Sebastian De Souza (Medici, The Borgias).

 

Texto originalmente publicado na Metropolis

 

 

 

15 de Maio, 2020

White Lines: O Efeito Transformador de Ibiza (e a Morte)

Sara

Depois de «La Casa de Papel», Álex Pina estreia-se com um original Netflix que conta com o português Nuno Lopes num dos papéis principais. Já vi a T1 de «White Lines» e fica um aviso: vai tornar-se um dos maiores “vícios” dos próximos meses.

 

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Entre o misticismo que ainda hoje ecoa dos westerns ali filmados por Sergio Leone, «White Lines» arranca em Almería, com a descoberta do cadáver de Axel Collins (Tom Rhys Harries), um inglês desaparecido há cerca de 20 anos. Tal acontece na sequência de um "milagre" temporal e raro naquela zona, assim como é revelado a viva voz pela protagonista Zoe (Laura Haddock, das sagas Transformers e Guardiões da Galáxia), que deixa à vista um mistério por resolver. Está despertado o trauma e definida a missão de Zoe, que servirá de fio condutor a toda a história: uma vez que o irmão Axel tinha viajado para Ibiza em busca do sonho de se tornar um DJ famoso, é para lá que ela segue.

 

Uma mistura de várias coisas, «White Lines», com diálogos em espanhol e inglês, contém os ingredientes necessários para se revelar em  mais um sucesso para o seu criador, Álex Pina, agora com um original Netflix após o sucesso internacional inesperado das suas criações «La Casa de Papel» e «Vis a Vis» [onde é cocriador]. A sua nova aposta transporta o dinamismo de «La Casa de Papel», combinado com «Ozark» – uma pessoa inocente envolvida no mundo das drogas – , «Succession» – o drama da família Calafat –  e «How to Get Away With Murder» – um mistério whodunnit, com a imersão em novas perspetivas e flashbacks ao longo de toda a temporada.

 

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Sem certezas em relação ao destino do irmão, Zoe passou por diversas provações na entrada da idade adulta, encontrando o equilíbrio possível ao lado do marido Mike e de uma vida dita normal. Assim como as demais personagens que o enredo nos vai revelando, também Zoe vai descobrir uma nova identidade em Ibiza, que desafia os seus limites e tudo aquilo que antes julgava como certo. Focada em descobrir quem assassinou Axel Collins, Zoe reencontra os melhores amigos da vítima, que viajaram com ele de Manchester, bem como a ex-namorada Kika (Marta Milans) e outros rivais do seu passado. E tudo se vai tornando menos claro à medida que a ação avança.

 

Os suspeitos mais imediatos são Oriol Calafat (Juan Diego Botto) e a sua mãe Conchita (Belén López), que partilham uma relação estranha desde início e se viram envolvidos com Axel a nível empresarial, no universo das discotecas, e pessoal. Perante a vontade de atraírem investidores para a construção de um casino, suavizam o negócio da droga – o que terá consequências inesperadas – e conspiram contra o homem-forte da família, Andreu Calafat (Pedro Casablanc). A premissa, a certa altura, lembra uma «Succession» com discussões mais acesas e com acontecimentos mais exagerados.

 

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É desde cedo incerto em que categoria conseguiremos enquadrar Boxer, a personagem de Nuno Lopes, que vai crescendo à medida que a narrativa avança e se confirma como um dos protagonistas de «White Lines». O ator está a um bom nível, na pele do violento e eficaz homem de confiança do patriarca dos Calafat, que acaba por ter menos visível um lado mais poético e sentimental. Ao jeito de um improvável Verbal Kint (Kevin Spacey em «The Usual Suspects» (1995)), com uma forma de andar particular, as diferentes camadas de Boxer são executadas de forma bastante credível pelo ator, que se arrisca assim a surgir em mais produções do streaming. Também na série, ainda que com menor destaque, encontramos Paulo Pires (como George, o namorado de Anna (Angela Griffin)) e Rafael Morais, que dá vida à personagem de Nuno Lopes 20 anos antes.

 

Assim como acontece em «La Casa de Papel», Álex Pina usa as principais "armadilhas" do argumento para agarrar o espectador, ainda que o exagero não prejudique a qualidade da série. «White Lines» é uma história mais adulta e também mais complexa, com diversas linhas narrativas que se aproximam ao longo dos 10 episódios da T1, e promete ser uma das séries do ano, pelo menos no que a audiências diz respeito. O ritmo acelerado e o crescimento do mistério em torno de Axel tornam a maratona quase inevitável – e, apesar do final trazer respostas, é certo que ainda há muito para contar numa eventual segunda temporada.

 

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Entre as curiosidades, destaque para a passagem improvável da música “Dragostea Din Tei”, um dos sucessos do verão de 2004, cuja banda O-Zone protagonizou um dos rumores mais emblemáticos dos anos 2000 em Portugal. Depois da notícia publicada por um jornal português, muitos acreditaram que os membros da banda tinham morrido, o que não correspondia à verdade.

 

Além dos atores já mencionados, a trama conta ainda com outros atores internacionais de revelo, como é o caso de Daniel Mays (Rogue One) e Laurence Fox (Lewis, Victoria), e promessas como é o caso de Jade Alleyne (Years and Years). Atendendo ao seu histórico recente, Álex Pina tornou-se a figura mais interessante da TV espanhola e «White Lines» vem, mais uma vez, atestar que veio para ficar.

 

 

Texto originalmente publicado na Metropolis

 

10 de Maio, 2020

I Know This Much is True: Um Poderosíssimo Drama Familiar

HBO Portugal

Sara

Tive acesso antecipado à minissérie «I Know This Much is True», que apresenta Mark Ruffalo em dose dupla e ao seu melhor nível. O primeiro episódio fica disponível na HBO Portugal dia 11 de maio.

 

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[A review que se segue contém referências circunstanciais a acontecimentos do primeiro episódio. Se preferir evitá-las, recomenda-se a leitura após a visualização do piloto]

 

Atravessando cinco décadas, de 1950 a 1991, «I Know This Much is True» traça uma história do passado norte-americano, a partir das vidas de dois irmãos gémeos: Dominick e Thomas Birdsey (Mark Ruffalo). Separados por apenas seis minutos, acabariam por nascer em anos diferentes: Thomas a 31 de dezembro de ’49 e Dominick a 1 de janeiro do ano seguinte; mas há muito mais que os separa: Thomas teve desde cedo uma vida difícil, que se agravou progressivamente e  alterou para sempre a dinâmica familiar com o diagnóstico de esquizofrenia e outras doenças do foro psicológico.

 

A série avisa ao que vem com estrondo. No silêncio aparente de uma biblioteca, distingue-se a voz de Thomas, numa espécie de oração interminável – e impossível de calar. Perante a inquietação de uma cena muito bem construída, Thomas faz o sacrifício derradeiro: cortar a mão e, assim, tentar evitar que a Humanidade continue cercada de violência (como pano de fundo, a Guerra do Golfo, iniciada em 1990, sendo que o “fantasma” do Vietname também surge frequentemente). Acreditando ser o “Escolhido” de uma força maior, o irmão problemático de Dominick tem um ato violento e acaba internado numa instituição psiquiátrica e corretiva. Está encontrado o motor que guiará Dominick, o narrador, ao longo da minissérie: tirar o irmão de lá para um local mais tranquilo.

 

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Baseada num livro com o mesmo nome, publicado por 1998 e da autoria de Wally Lamb, «I Know This Much is True» tem um estilo bastante literário e cuja tensão – muitas vezes potenciada pelo recurso às descrições – é substituída na tela pela banda sonora e pela narração de Dominick. Num estado de desassossego permanente, a audiência tem a perspetiva de Dom, enquanto a ação vai recuperando estrategicamente ao passado para adensar a perceção que temos da família Birdsey, bem como do lado materno. O avô dos gémeos chegou aos EUA vindo de Itália e, num dos seus últimos desejos, a mãe (Melissa Leo) oferece o livro a Dom – a “epopeia” da vitória de um homem alegadamente humilde na terra dos sonhos. Estando em italiano, há uma demora inescapável provocada pela tradução, que fica a cabo da personagens interpretada por Juliette Lewis.

 

O reflexo negro de Thomas e do passado familiar espelha-se também em Dominick, que teve igualmente uma vida difícil. Contudo, ao fazer-se o comparativo, não é desde logo percetível o quão longe irá a narrativa. Embora o papel de narrador aproxime o espectador, também funciona como uma ilusão, já que – ao contrário do que poderíamos pensar – não estamos na posse de toda a informação que Dom sabe.

 

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Uma das melhores séries de 2020 até ao momento, a minissérie ganha muito com a interpretação bem conseguida de Ruffalo, que assume dois papéis distintos e, cada um à sua maneira, muito complexos. No entanto, todo o elenco é de alto nível; além das atrizes já mencionadas, encontramos Kathryn Hahn, Archie Panjabi, Rosie O'Donnell, Rob Huebel, John Procaccino e Philip Ettinger, que dá vida aos jovens no fim da adolescência. Também Donnie e Rocco Masihi cumprem, próximo da perfeição, a versão dos protagonistas na infância. Trata-se da primeira série criada por Derek Cianfrance, responsável ainda pela realização dos seis episódios.

 

Antes de terminar, uma nota. Atendendo à intensidade da trama não se recomenda a tradicional maratona, agora uma tendência da vida seriólica. Com os episódios a saírem semanalmente, o ideal será assistir dessa forma, para “aliviar” a carga emocional.

 

 

Texto originalmente publicado na Metropolis

 

07 de Maio, 2020

Eu Nunca...| Uma Nova Comédia Teen Irresistível

Netflix

Sara
Uma das mais recentes novidades no catálogo da #Netflix é a série «Eu Nunca…», centrada numa adolescente de ascendência indiana à procura do seu lugar no mundo (ou simplesmente no liceu). Esta é já a quarta série criada por Mindy Kalling.
 

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Depois de um casting aberto que contou com a participação de cerca de 15 mil jovens mulheres, Mindy Kalling («The Office», «Mindy Project») e Lang Fisher escolheram a até agora desconhecida Maitreyi Ramakrishnan para interpretar a protagonista Devi. Com uma aposta forte na diversidade e na desmistificação de estereótipos – e comportamentos estereotipados –, «Eu Nunca…» acolhe a “herança” de hit adolescente deixada por séries como «Awkward» ou «Faking It»; ainda que arrisque falar de temas mais sérios.
 
Com os 10 episódios da T1 já disponíveis, a série convida a uma maratona de fim de semana para ver de seguida este novo guilty pleasure seriólico, já que estamos perante uma narrativa bastante leve e divertida. No entanto, ao mesmo tempo que se estabelece na comédia, «Eu Nunca…» arrisca o drama e analisa as dificuldades sentidas por Devi – não pela sua origem, mas pelas ambições e obstáculos próprios daquela idade. É sobretudo aqui que se faz a rutura: ter um elenco diverso não torna obrigatório focar intensivamente o argumento em temáticas como a descriminação ou desigualdade de oportunidades. As principais exceções a esta linha são o "casamento arranjado" de Kamala (Richa Moorjani), quando se prepara para terminar a faculdade; e os cuidados religiosos em torno de materiais (manual, mota) abençoados.
 

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A premissa é simples: Devi está focada em ter o primeiro namorado – estendendo a sua missão a Fabiola (Lee Rodriguez) e Eleanor (Ramona Young, «Legends of Tomorrow») – e aponta todas as suas atenções para um dos principais galãs da escola: Paxton (Darren Barnet). O improvável acontece quando Paxton aceita fazer sexo com ela, mas o aparente sonho está longe de se tornar realidade assim tão facilmente.
 
Enquanto estabelece a sua fantasia, Devi é puxada para a vida real – por mais que tente evitar a menção à morte do pai (Sendhil Ramamurthy, «The Flash») – e para o conflito académico com Ben (Jaren Lewison). Destaque ainda para a presença no elenco de Poorna Jagannathan («The Night Of», «Gypsy») e Niecy Nash («Reno 911!», «When They See Us – Aos Olhos da Justiça»); esta última é a psicóloga de Devi que, focada na sua fantasia, a empurra para a comédia (que tanto carateriza a carreira da atriz), enquanto a Dra. Jamie (Nash) tenta manter uma conversa séria. Uma dicotomia que funciona muito bem.
 

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É precisamente na simplicidade da trama que está a sua maior força: vê-se facilmente e passa a mensagem que tem a passar sem floreados ou uma falsa sensibilidade. De certa forma, «Eu Nunca…» não é mais do que uma viagem pelas memórias da adolescência e por uma constante sensação de inadaptação, ao mesmo tempo que, tal como o nome indica, Devi vive determinadas experiências pela primeira vez (ou estas simplesmente dão mote ao tema do episódio).
 
 
Texto originalmente publicado na Metropolis
 

 

05 de Maio, 2020

Natalie Wood, a Realidade por Trás do Mito

HBO Portugal

Sara

A HBO Portugal disponibiliza, amanhã, 6, «Natalie Wood: What Remains Behind», uma obra intimista que revisita um dos ícones do cinema hollywoodiano das décadas de 50 e 60. Fiquem com a minha opinião sobre o documentário.

 

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No grupo de child actors mais bem-sucedidos, não poderá faltar o nome de Natalie Wood (nascida Natalia Nikolaevna Zakharenko). A atriz, de ascendência russa, começou a sua carreira com apenas 5 anos, mantendo-se no ativo – com interrupções pontuais – até aos 43 anos, data da sua morte. No entanto, Natalie é atualmente mais lembrada, pelo menos no que aos Estados Unidos diz respeito, pelo aparente mistério em torno da sua morte trágica, no fim de semana de Ação de Graças em 1981. Quando se encontrava num cruzeiro com o marido Robert Wagner e Christopher Walken – com quem alguns apontavam um caso, por confirmar até hoje –, a atriz terá caído à água e foi encontrada já sem vida.

 

Embora nos anos 80 o caso não tenha levantado grandes dúvidas, há cerca de oito anos foi reaberto e tem sido alimentado sobretudo graças a artigos e programas de TV sensacionalistas. Em 2012, as causas da morte sofreram uma ligeira alteração: “provável afogamento e outros fatores por determinar”. A adição desta segunda parte tem sido o suficiente para fazer correr tinta e apontar as atenções para Robert Wagner – tido como pessoa de interesse 30 anos depois –, uma das vozes mais participativas deste documentário, ao mesmo tempo que a irmã de Natalie vai apoiando a defesa da tese de homicídio.

 

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Dado o contexto, um twist: este não é um documentário sobre a morte de Natalie, ou uma nova análise dos contornos da aparente queda. É certo que o seu falecimento precoce é uma constante na conversa, mas surge somente em segundo plano.

 

«Natalie Wood: What Remains Behind» é liderado por Natasha Gregson Wagner, a filha mais velha da atriz, que evoca o passado da mãe para dar a conhecer o seu lado mais humano, por detrás do fenómeno manufaturado pela indústria de Hollywood. O controlo feroz de Natalie é percebido sobretudo num artigo escrito pela própria, em 1966, que acabaria por não ser publicado, sendo, agora, um dos principais fios condutores da narrativa que procura humanizar a atriz.

 

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Entre várias relações amorosas, com destaque para o casamento com Wagner, o documentário vai revelando uma pessoa em sofrimento e empurrada para a escuridão e depressão. Mas também a forte pressão da mãe da atriz que, perante a debilidade da saúde do marido, forçou a carreira de estrela da filha. Um produto do sistema dos estúdios de Hollywood, Natalie insistiu na presença em «Rebel Without a Cause – Fúria de Viver» (1995), que lhe valeu a primeira nomeação aos Óscares – teria três até aos 25 anos, sem vencer – e marcou a separação entre o fim da criança frágil e o surgimento da mulher.

 

De um «West Side Story – Amor sem Barreiras» (1961) menos feliz do que seria de esperar à entrada na carreira nos 40 – bem como ao difícil equilíbrio com a vida de mãe –, são muitos os dilemas e conflitos (internos e externos) que tornam o ícone mais verosímil para a audiência. Um retrato intimista, com participação de astros como Robert Redford, Mia Farrow e Elliott Gould, mas também da família mais próxima, como a filha Courtney Wagner e os filhos do marido Robert Wagner ou o ex-marido Richard Gregson, entretanto falecido. «Natalie Wood: What Remains Behind» torna-se interessante, sobretudo, pela perspetiva que dá de um lado menos glamoroso do Cinema, numa época dourada que desperta tanta nostalgia.

 

Texto originalmente publicado na Metropolis

 

 

 

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