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Androids & Demogorgons

TV KILLED THE CINEMA STAR

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24 de Agosto, 2018

The Innocents: O Aluno Mais Esforçado Nem Sempre é o Melhor

Sara

Os ingredientes estão todos lá, mas a receita de «The Innocents» acaba por se revelar um desastre. Nem tudo o que tem drama de adolescentes é «Por Treze Razões», nem tudo o que é lento vicia como «House of Cards» ou «The Crown». E a combinação das duas estratégias não é sinal de sucesso. Estreou hoje, 24, às 8 horas. (Para a Metropolis)

 

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Depois do êxito de séries como «Stranger Things» e «Por Treze Razões», com elencos mais jovens, foi natural a Netflix procurar replicar a fórmula noutros originais. Surgiram então criações na mesma linha como «Atypical» e «The End of the F***ing World», entre outras, e temos assistido cada vez mais ao fortalecimento da aposta na aquisição dos direitos de séries como «Pequenas Mentirosas», «Gossip Girl» ou «Flash». Como tal, o surgimento de dois originais idênticos, «Insatiable» e «The Innocents», em datas tão próximas e em plenas férias escolares não é coincidência.

 

A quantidade de episódios que os meios enviam com antecedência à imprensa não é, também, inocente. «The Innocents» é, uma vez mais, sinal de uma estratégia: a Netflix disponibilizou quatro episódios, o que corresponde a metade da primeira temporada. Além disso, e após três episódios de ritmo lento e sem acontecimentos chocantes (para quem já tiver conhecimento da sinopse), o quarto episódio marca uma mudança e torna o mistério verdadeiramente interessante, anunciando uma eventual melhoria qualitativa. Quase dá vontade de deixar uma sugestão inusitada: comecem pelo episódio 4 e vejam os três primeiros no final para contextualização.

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«The Innocents» gira em torno da história de amor de June (Sorcha Groundsell) e Harry (Percelle Ascott), dois adolescentes que vivem uma paixão proibida e decidem fugir de casa. Embora pareça inicialmente um drama adolescente ‘comum’, a presença permanente do outro lado da trama, protagonizado por Guy Pearce, prepara-nos logo para o que aí vem. Halvorson (Pierce) é um cientista misterioso, que trabalha com um conjunto de mulheres com capacidades extraordinárias: transfiguram-se e transformam-se na pessoa que tocarem (pele com pele) nesse processo. Desde cedo percebemos que June é uma peça desse puzzle, ainda que a resposta seja dada de forma faseada.

 

A parte mais interessante é, portanto, colocada como secundária em detrimento de um romance sensaborão. Sorcha e Percelle não têm a capacidade de atores como Katherine Langford («Por Treze Razões»),  Millie Bobby Brown («Stranger Things») ou Skylar Gaertner («Ozark»), o que acaba por castigar o potencial interesse nas personagens. Ironicamente, os momentos mais interessantes de June são aqueles em que a adolescente se transforma e, consequentemente, é interpretada por outro ator ou atriz. A exigência por detrás de dar corpo a uma personagem, que deve ser reconhecível quando todo o exterior é irreconhecível, é um trabalho árduo e vários atores se mostram à altura do desafio. O que, em contrapartida, torna ainda mais evidente o desinteresse do casal de adolescentes.

 

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Não é fácil prever como a audiência vai reagir a este original da Netflix. Embora combine duas artimanhas narrativas que já se revelaram bem-sucedidas – os intérpretes mais jovens e o ritmo lento do argumento –, o resultado não se revela um sucesso. O facto de atrasar sucessivamente as revelações, e de depois as apressar, deixa «The Innocents» e o público numa relação complicada que, apesar de tudo, pode ser salva pelas interpretações do outro mundo de Jóhannes Haukur Jóhannesson (que passou brevemente por «A Guerra dos Tronos») e Guy Pearce (as paisagens da Noruega também são imperdíveis). Os problemas estruturais podem estar relacionados com a inexperiência dos criadores, Simon Duric e Hania Elkington, mas casos como o de «Gypsy», protagonizada por Naomi Watts e que foi cancelada após uma temporada, já vieram provar que a falta de traquejo se paga caro.

 

Texto escrito para a revista Metropolis.

 

 

24 de Agosto, 2018

Porque é Que as Pessoas Continuam a Ver «Casos Arquivados»?

Sara

A pergunta que serve de mote a este artigo pode ser difícil de responder, mas eu já fico satisfeita se forem capazes de explicar, pelo menos, o caso da minha colega de casa. Se a deixar sozinha na sala mais do que cinco minutos, o mais certo é ela já ter entrado num ciclo aparentemente sem fim de «Casos Arquivados». A certa altura, começa um choro que parece poder durar para sempre – ou até ao sinal da abertura de mais um episódio. "Mais um, mais um!". Nunca vi uma mudança de humor tão rápida.

 

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Por mais que nos queixemos da falta de tempo para manter as séries em dia, a verdade é que arranjamos sempre um espacinho para 'aquele' guilty pleasure. Uma série que não assim tão espetacular, mas que continuamos a ver religiosamente – ou, pelo menos, quando a apanhamos no meio de um zapping. Comigo, isso acontece com as comédias de 20 minutos que não implicam pensar muito. Para a Marisa, a minha colega de casa, essa série é «Casos Arquivados» que, ainda hoje, continua a ser emitida ininterruptamente, e até vários episódios seguidos, na FOX Crime. Já não consigo ouvir o génerico; embora, na minha cabeça, o faça acompanhar regularmente pela mítica música "Ciclo da Vida", d' «O Rei Leão» (1994): Ingony baIngonyama nengw' enamabala.

 

Confesso que já ponderei uma intervention, inspirada pela saudosa «How I Met Your Mother», mas falta-me o mais importante: ajuda. Todas as pessoas a quem recorro, sem exceção até ao momento, empatizam com a Marisa e, no caso da minha amiga Filipa, ainda se juntam à festa. Embora a centenas de quilómetros de distância, combinam ver o mesmo episódio, ao mesmo tempo, e comentam-no via chat. Caso a Marisa morasse sozinha, aposto que a box de televisão dela só ia ter episódios de «Casos Arquivados» nas gravações, com os melhores a serem guardados para rever vezes sem conta. Mas não sei qual seria o critério para definir os 'melhores', já que todas as histórias da série são de um sofrimento constante.

 

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Lembro-me de ver «Casos Arquivados» numa altura em que, provavelmente, ainda não tinha sido cancelada. Emitida entre 2003 e 2010, com um total de 156 episódios, a série é uma daquelas tramas que podemos apanhar a qualquer momento, sem grande dificuldade de perceber às quantas andamos. Apesar de não ignorar totalmente o desenvolvimento pessoal das personagens, a velha aposta da CBS segue a vertente mais procedural, concentrando o argumento sobretudo no caso arquivado que reporta. Com atores de elevadíssima qualidade (ou que entretanto se tornaram estrelas de cinema e TV) – veja-se a participação especial de atores como Diane Ladd, Frances Fisher, Melissa Leo e Zeljko Ivanek –, as narrativas bem estruturadas e cativantes ainda hoje agarram os seriólicos com relativa facilidade.

 

E depois a música (a música!!), retirada do ano de cada crime. O mesmo acontece com a forma como são filmados os flashbacks de cada episódio, num estilo próprio da época. Além de muitas vezes contribuir para as lágrimas, a melodia é uma constante revisitação de êxitos de outra época, de ritmos mais lentos a música rock, e uma autêntica aula cultural – que influencia diretamente a reação do espectador ao que vê. Apesar da simplicidade da estrutura, há muito trabalho nos bastidores, da pré-produção à montagem final, passando por uma direção de casting do outro mundo, que torna inegável a qualidade por detrás de «Casos Arquivados». Estarei com isto a dar razão à Marisa e aos meus amigos? Claro que não!

 

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As maratonas de séries como «Casos Arquivados», «Mentes Criminosas», «Castle» ou «A Teoria do Big Bang» é uma prática comum nos canais temáticos e, se muitos se queixam das repetições, a verdade é que muitos 'mordem' o isco. A título de exemplo, a aposta de exibição de «Anatomia de Grey» desde a primeira temporada, por parte da FOX Life, colocou o canal no topo das audiências este verão. E, se com séries novas nem sempre encontramos companhia para debater o que acontece, com estas 'veteranas' é quase garantido conseguir fazer conversa. Chamem-lhe saudosismo ou preguiça, ou até uma certa melancolia de regressar ao passado, mas o que é certo é que não se antecipa a saída de «Casos Arquivados» e companhia das grelhas de programação... Nem se sabe se a audiência recuperaria de tamanha tragédia – a Marisa de certeza que não.

 

Por seu lado, se não fosse a sua participação em «Reverie», estreada em 2018, a própria Kathryn Morris arriscar-se-ia a ser um 'caso arquivado'. Uma das figuras incontornáves da TV na primeira década do século XXI, a atriz desapareceu praticamente nos oito anos seguintes, apenas com participações breves no pequeno e grande ecrã. Também o elenco principal, à exceção de Danny Pino e Tracie Thoms, pouco deu nas vistas depois. A situação acaba por ser algo irónica, já que estamos a falar da série que viu 'nascer' fenómenos como Jennifer Lawrence, Shailene Woodley, Michael B. Jordan e Paul Wesley, que tiveram participações especiais na série ainda com cara de 'miúdos'.

 

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Mas, afinal, porque é que as pessoas continuam a ver «Casos Arquivados»? Se os argumentos que fui dando não vos convenceram, o 'truque' vai-se revelar mal se arrisquem a ver um episódio. Embora a qualidade esteja presente na série, há também um outro agente em ação, capaz de abater muitas defesas: a manipulação emocional. Esta acontece através da música, que já foi mencionada, da empatia com a vítima – a quem muitas vezes é negada a oportunidade de crescer –, e que desarma qualquer indiferença quando aparece no final do episódio, envolta em melodias poderosas e numa montagem cuidada e intencional, qual D. Sebastião. Na verdade, o facto de eu não ver «Casos Arquivados» não se trata de desprezo, mas sim de preservação pessoal (algo que a Marisa claramente não tem).