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Androids & Demogorgons

TV KILLED THE CINEMA STAR

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28 de Fevereiro, 2018

País Irmão: Afinal o 'Truman' Somos Nós

Sara

Há décadas que os comuns mortais são assombrados pelo Big Brother, uma entidade, por vezes abstrata, que tudo vê, tudo sabe e tudo pode manipular. A maior mentira é acreditar que nada podemos fazer (ou que somos imunes) – e «País Irmão» esfrega-nos isso na cara. Disponível aqui.

 

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"Quem controla o presente, controla o futuro". A frase, dita por Fernando (Dinarte Branco), transporta-nos, quase automaticamente, para o 1984 de George Orwell: "Aquele que controla o passado controla o futuro. Aquele que controla o presente controla o passado" [tradução livre]. Publicado em 1949, este livro é mais uma prova de que a atualidade de «País Irmão», que estreou a 11 de setembro na RTP1, é tão intemporal quantos os problemas que representa (ainda que modernizados no processo). E, na era da Informação, nós – o espectador que é personagem enquanto público – continuamos tão susceptíveis à ignorância quanto antes.

 

Desengane-se, portanto, quem acha que está fora do espectáculo mediático em que habita Truman Burbank (Jim Carrey), o protagonista, sem saber, de um reality show que o acompanha 24/7, em «The Truman Show - A Vida em Directo» (1998). O espectador está no centro, e o Big Brother assumiu o controlo. Acabaram os "intelectuais", agora só há o público – a ideia, defendida pela Ministra da Cultura (Margarida Marinho), coloca a sociedade como alvo para, de seguida, a desmontar na sua farsa. O público, na sua forma amorfa – mas presente –, quer novelas, futebol e outras distrações do seu quotidiano, privilegiando o entretenimento em vez dos dramas da vida real. E isso dá uma vantagem assustadora a quem tem poder – e pode usá-lo sem qualquer critério.

 

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O monólogo 'acompanhado' de José Ávila (José Raposo), na sua pacata sala de aula, é um dos mais brutalmente verdadeiros dos últimos tempos. Não é o 'rei' que vai nu, somos nós: consumidores de redes sociais, de aplicações, de programas vulgares, de leituras rápidas e inconsequentes. Não porque os consumimos, mas antes porque não vemos nada para além disso, porque temos uma vida física sustentada na digital. É uma chapada de luva branca dada a seis mãos, pelos criadores da série – Tiago R. Santos, Hugo Gonçalves e João Tordo – e por um leque composto por atores de qualidade comprovada, como José Raposo, Margarida Marinho, Manuel Cavaco, Dinarte Branco, Afonso Pimentel ou Victória Guerra, entre muitos outros.

 

«País Irmão» arranca com uma cena hilariante, já sinal do que nos espera. Manuela Azevedo, a Ministra da Cultura, é entrevistada por Carlos (Jorge Mourato), o rosto do programa mais visto em Portugal. A conversa, amigável mas leviana, é criticada nos bastidores pelos assessores da Ministra, uma mais 'verde' (Vera – Filipa Areosa) e outro bem experiente (Fernando), que têm perspetivas diferentes relativamente à importância do que está acontecer. Na verdade, tudo não passa de um teatro feito para o público ver, e que rapidamente se desfaz após o 'corta', que mostra as verdadeiras cores de Manuela e Carlos, inimigos de longa data. É ele que lança a primeira 'farpa' sobre o rumor que visa uma polémica que envolve o Governo e que, dali em diante, será tratado como "o escândalo que não pode ser mencionado".

 

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No rescaldo do que acontece, Manuela senta-se com os seus assessores num bar, onde Fernando comenta a simplicidade de uma vida, de outros tempos, acompanhada por apenas dois canais, e na qual o país parava para ver a novela. Se Fernando elogia essa época pelo poder de 'controlar' o público, que via as novelas religiosamente, José, professor de Escrita Criativa e Produção de Telenovelas, valoriza a riqueza de novelas como «Gabriela» ou «Roque Santeiro», que 'simplificavam' o discurso de grandes obras literárias para a população. Que eram verdadeiras aulas culturais e abertas a todos. Como tal, José grita a plenos pulmões, alcoolizado, que "a novela morreu", num claro corte com o que é hoje consumido pela audiência, a nível de qualidade. Ainda assim, o comentário assertivo de Fernando dá a Manuela uma ideia brilhante: produzir uma grande novela luso-brasileira para distrair toda a gente do escândalo – antes que ele seja realmente mencionado.

 

Toda a apresentação do projeto ao Primeiro-Ministro (André Gago) é uma ironia corporizada a cada frase. Pode usar-se o dinheiro do Cinema – mas esse é pouco, pelo que vão ter de convencer investidores brasileiros. Deverá lançar-se um concurso público para escolher quem vai participar e, assim, entreter os portugueses, mesmo que os vencedores já estejam à partida escolhidos; apenas para eles serem iludidos de que têm realmente uma oportunidade. Além disso, há sempre a novela… da novela: paparazzis e notícias de 'encher chouriços' que vão permitir que a tal produção ocupe bem mais do que apenas uma slot horária. E uma novela pode durar "seis meses, um ano, ou até mais", atesta a personagem de Dinarte Branco.

 

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Veste-se de comédia, mas «Pais Irmão» é também um drama, desenhado com críticas bem duras aos nossos dias: novelas, entrevistas sensacionalistas, programas de comentário desportivo sem rigor e aplicações como o Facebook ou o Tinder que substituem a interação presencial pelas redes. No primeiro episódio, e ao mesmo tempo que apresenta as 'suas' personagens, o trio de criadores vai dizendo ao que vem, sem, para isso, descaraterizar a narrativa e quem a habita. E é aí que reside a maior vitória da nova série das segundas-feiras: a história está bem estruturada e avança sem clichés ou truques fáceis, privilegiando a ficção acima de tudo. O confronto com a realidade é, ainda assim, inevitável e a crítica dirige-se a algo que nos é querido: nós próprios. Estaremos dispostos a ouvi-la e, acima de tudo, a aceitá-la?

 

Texto originalmente publicado na Metropolis.

 

 

27 de Fevereiro, 2018

Seven Seconds: Longe Vai o Tempo Em Que Tínhamos Todo o Tempo do Mundo

Sara

Embora sem apresentar um tema novo, «Seven Seconds» assume uma abordagem inovadora, exigindo ao espectador uma participação ativa ao longo do processo. A nova série da Netflix marca o regresso de Veena Sud, a criadora da «The Killing» norte-americana, que aprendeu com os 'erros' e opta por uma abordagem mais direta.

 

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Para quem não conhece a sinopse de «Seven Seconds», e parte rumo ao desconhecido, o episódio piloto é verdadeiramente absorvente (ou para quem, como eu, tem memória de peixe e se esqueceu entretanto). Peter (Beau Knapp) conduz por entre a neve em direção ao hospital, para onde a esposa, grávida, foi levada numa emergência. Chamada para aqui, chamada para ali, até se ouvir um 'baque' intenso, que o próprio condutor demora a perceber de onde veio. A irromper pelo silêncio, que adia a revelação mais do que anunciada da tragédia, eis que se destaca o som das voltas aparentemente intermináveis da roda de uma bicicleta.

 

Este choque acidental não parece ter grande história, mas a verdade é que a sociedade ainda continua a encontrar formas de nos surpreender – que é como quem diz, basta um drama ser humano, tenha artifícios ou não, para ter à sua disposição um sem-fim de possibilidades. «Seven Seconds» não é uma trama surpreendente, aborda até tópicos que já conhecemos bem demais, nomeadamente o preconceito e as divisões sociais, mas inova através das suas personagens. Desta forma, já o caso parece resolvido – embora não saibamos ainda quem é a vítima – quando somos fintados por um trio de polícias. Mike DiAngelo (David Lyons) descobre, finalmente, a pessoa colhida e decide, unilateralmente, ocultar o acidente. Ainda não sabemos o que ele quer evitar, mas desconfiamos...

 

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Influenciados pelos estereótipos sociais – fomentados inclusivamente pelo mundo das séries –, logo suspeitamos que se trata de alguém da comunidade afro-americana. Não estamos enganados. Ao jeito de um puzzle, vamos tendo uma pista aqui e ali acerca de quem pode ser, sendo que a presença portentosa de Regina King, bem ao seu estilo, deixa antever que a sua personagem vai estar no centro do problema. Na verdade, o adolescente ceifado acidentalmente por Peter, e que afinal foi deixado à sua sorte ainda vivo, é o filho de Latrice (King) e Isaiah (Russell Hornsby). As culpas apontam para um idoso acólatra, uma mentira conjeturada pelas autoridades, da qual o espectador acaba por ser testemunha.

 

Com a manipulação da informação que nos chega, ou não, «Seven Seconds» não julga apenas as suas personagens, mas também as interpretações do público – baseadas na forma como cada um vê a realidade. O conhecimento do caso vai chegando de forma doseada, até a advogada alcoólica KJ Harper (Clare-Hope Ashitey) aceitar olhar para o adolescente em coma numa cama de hospital, já perto do final do piloto. Numa mensagem direta à própria audiência, a criadora deixa o sinal claro de que é impossível continuar a ignorar o que acontece à nossa volta, bem como a crítica social arrasadora e bem real que habita a ficção de «Seven Seconds».

 

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Multiplicam-se frequentemente, pela imprensa e não só, casos de violência policial para com cidadãos afro-americanos. É isso, aliás, que DiAngelo usa para manipular Peter, que se quer entregar à Justiça. Segundo o comandante da polícia, Peter arrrisca-se a pagar não apenas pelo acidente no qual participou, e cuja culpa foi agravada pelo facto de não ter prestado logo socorro à vítima, mas também pelos outros casos que têm marcado a atualidade dos Estados Unidos. Ao mesmo tempo, as figuras políticas de Jersey garantem que a cidade tem passado à margem todas as polémicas: por mérito próprio ou por encobrimentos regulares? Fica a questão.

 

A narrativa de «Seven Seconds» é simples, mas rica pelas leituras que possibilita. A televisão, mesmo de ficção, é uma casa preparada para receber, mas também para oferecer novas perspetivas: tem uma janela para o globo, observando a realidade passada e presente, e uma porta, de onde podem sair novas ideias e, sobretudo, novas discussões. Embora tenha diferentes storylines, que vivem de forma independente mas estão destinadas a cruzar-se, a nova série da Netflix assume um fio condutor claro e que, certamente, será explorado ao longo dos próximos episódios.

 

 

24 de Fevereiro, 2018

High Maintenance: Que Droga de Vida... e de Série (das Boas)

Sara

Depois de seis temporadas na internet, «High Maintenance» mudou-se para a HBO – e para o TVSéries. Dois episódios foram o suficiente para a série conseguir a renovação, em 2016. (Atualmente na segunda temporada, viu a terceira ser garantida há dois dias || Análise do episódio piloto).

 

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Foi um longo caminho para o casal Ben Sinclair e Katja Blichfeld desde a estreia da sua web série «High Maintenance», em novembro de 2012. Antes de ser adquirida pela HBO, os criadores tinham de apelar ao apoio monetário dos seguidores da série e, em 2014, o Vimeo financiou meia dúzia de episódios. Agora, se procurar os episódios na internet, na sua fonte original, encontrará um breve teaser que o/a reencaminhará para a HBO, o canal detentor dos direitos de emissão da série, que foi renovada para uma segunda temporada no final de setembro [texto originalmente publicado em novembro de 2016].

 

A narrativa é sustentada por um conceito que, não sendo novo, não é tão replicado quanto isso: a entrada de novas personagens em cada episódio, com a temporada a resultar, na prática, de eventos isolados (curiosamente, «Easy» parte do mesmo princípio). O elo de ligação entre eles é "The Guy" (Ben Sinclair), um traficante de droga sem nome, que faz entregas em Nova Iorque de bicicleta e vai contactando com um leque distinto – e caricato – de clientes. Não obstante, ao contrário do que acontecia na web série, "The Guy" tem múltiplos clientes por episódio e não apenas um, sendo que, naturalmente, também a duração atual é superior à dos episódios antigos.

 

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Mais tempo é também sinal de mais aventuras para o "The Guy", que não consegue ter um dia calmo no "trabalho". No primeiro episódio, que teve estreia mundial no passado dia 16 de setembro, o traficante bem se pode queixar da falta de sorte que, em contrapartida, valeu umas boas risadas ao espectador. Não podemos esperar pela primeira entrega, depois de uma breve introdução ao protagonista, mas qual ironia do destino, "The Guy" é detido à porta do apartamento por uma discussão entre Johnny (KeiLyn Durrel Jones) e a namorada. Este autêntico "Vin Diesel" – a piada evidente é mesmo verbalizada – não está, aparentemente, a atravessar a melhor fase da sua vida e procura apoio no suposto amigo...

 

"The Guy" não é uma pessoa sociável, embora isso pudesse até ser uma mais-valia no negócio da "erva", pelo que a interação com os clientes se torna facilmente incómoda, sendo o mal-estar palpável para lá do ecrã. O vendedor não vê em Johnny um amigo, mas vai mantendo a farsa com medo de perder o cliente. Já a presença de um amigo misterioso na sala serve para adensar o lado mais sombrio desta comédia, uma vez que, ao contactarmos com personagens desconhecidas, nunca sabemos do que elas são capazes. Sem que nada o fizesse prever, o comportamento estranho de Johnny não passou, afinal, de um teste às suas capacidades de representação e, a julgar pela reação de "The Guy", foi bem-sucedido.

 

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Há, de seguida, uma escolha criativa arriscada. Fora da esfera imediata de "The Guy", conhecemos Max (Max Jenkins), o único homem num grupo de amigas, que tem dificuldade em pautar a sua presença com mais do que conselhos ocos. Não é, portanto, de estranhar que desapareça à mínima oportunidade. Através de uma aplicação para encontros casuais entre homens, Max envolve-se com Sebastian (interpretado pelo ator porno Colby Keller) e, a partir daí, começa a acompanhá-lo às reuniões de ex-viciados em droga. No entanto, as mentiras que vai alimentando sucedem-se, tentando assim parecer mais interessante aos olhos da nova conquista.

 

No entanto, embora "The Guy" esteja mais longe da vista, é uma questão de tempo até as duas storylines se cruzarem, como é desde logo anunciado pelo conceito da série. Como seria de esperar, a mentira de Max tem a perna curta e, por acaso do destino, a sua fase mais negra coincide com a descoberta do telemóvel do protagonista da série que, curiosamente, é também o seu fornecedor. Ironicamente, e depois de não destruir a "amizade" com Johnny a muito custo, "The Guy" perde as estribeiras e confessa não suportar Max. A discussão é inevitável e, como consequência, Max vê ali a oportunidade de enriquecer aproveitando a lista de clientes presente no telemóvel, que não para de tocar.

 

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O piloto é um exemplo de como se pode ter um episódio equilibrado sem depender em demasia da sua figura principal, permitindo, assim, que a narrativa exista fora do universo deste. Enquanto audiência, sabemos mais do que "The Guy": Johnny termina a sua mentira já depois da saída do traficante e o trajeto de Max nada tem a ver com este. Com um sem fim de possibilidades à sua frente, «High Maintenance» sai reforçada pela profundidade, ainda que superficial, das personagens que vão surgindo. Resta saber quais os próximos clientes que vamos encontrar pelo caminho...

 

 

 

Texto originalmente publicado na Metropolis.

 

21 de Fevereiro, 2018

A Pecadora: Lobo em Pele de Cordeiro, ou Cordeiro em Pele de Lobo?

Sara

Como não adorar uma série que desafia os estereótipos e definições-tipo de certo e errado, nos inquieta enquanto espectadores e, às tantas, nos deixa totalmente fora do nosso ambiente de conforto? É o que acontece com «A Pecadora», um tesouro seriólico em estado puro que revela uma Jessica Biel que desconhecíamos. Se pensas que sabes o que te espera, pensa outra vez.

 

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A premissa de «A Pecadora» assume contornos tão surreais que, à partida, tinha tudo para correr mal. A história centra-se numa mulher comum, Cora Tannetti (Jessica Biel), que, numa tarde em família na praia, tem, ao que tudo indica, um surto psicológico avassalador e esfaqueia um desconhecido até à morte. O caso, insólito mas sem mistério aparente, parece condenado a um fim rápido e sem cerimónias... Só que aí não havia série, certo?

 

A julgar pelo arranque da narrativa, não seria de esperar este golpe definitivo no rumo da história (a não ser que conheçam a sinopse). Nada em Cora indicia um problema tão grave, ainda que ela se mostre frequentemente descontente e alguns sinais roçem o estado depressivo, como a apatia. Na criação da empatia com a personagem principal de «A Pecadora», será fácil encontrar traços próximos de nós ou de pessoas que conhecemos, mas essa ilusão não dura muito. Acima de tudo está a mestria, de certa forma inesperada, de Jessica Biel, facilmente reconhecida por filmes como «O Ilusionista» (2006) ou «Next» (2007). A nomeação ao Globo de Ouro de Melhor Atriz em Minissérie ou Filme para TV foi a cereja no topo do bolo para destacar um papel que pode marcar a sua carreira. 

 

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A rígida rotina entre o trabalho e a vida pessoal, sufocada pela presença permanente dos sogros, a falta de afetos com o marido Mason Tannetti (Christopher Abbott), as exigências enquanto mulher e mãe e outras questões aparentemente banais empilham-se cena após cena. Até Cora não ser capaz de se as segurar mais às costas. Mas não seriam suficientes, ainda assim, para tamanha reação sanguinária da protagonista. Depois de se afastar para nadar sozinha e fixar perturbada um casal num momento íntimo, Cora sai disparada rumo a Frankie (Eric Todd), que se encontra numa toalha próxima, e assassina-o sem qualquer hesitação.

 

O espetáculo gore protagonizado por Cora lança o mote para um dos enigmas mais atrofiantes da história recente da televisão. Da primeira vez que assistimos ao momento, extraordinariamente violento e também por isso uma fácil distração, são muitos os pormenores que nos escapam. É quando o revisitamos, através de personagens diferentes e em alturas também distintas, que vamos somando as frases ou gestos de que não nos apercebemos de imediato. Na verdade, por vezes o melhor truque é aquele que é feito mesmo por baixo do nosso nariz. E, como que troçando da nossa inocência inicial, o criador Derek Simonds opta por repetir a cena uma e outra vez, e mais outra, sempre com a adição de algo que aconteceu fora da primeira cena ou demasiado rápido para 'apanharmos'.

 

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Depois há Harry Ambrose (Bill Pullman). Aquele tipo desajeitado, detetive da velha guarda mas inconformado, que vem estragar as contas já feitas e dar à série o rumo de que precisa. Na mesma altura, é introduzida uma criança numa família disfuncional, que aos poucos vai desvendando a sua verdadeira identidade. Não apenas enquanto personagem, mas também no contexto social e familiar, muito apoiado na fé e na absolvição dos pecados – daí o título de «A Pecadora». Como se o puzzle não estivesse já confuso o suficiente, cada personagem é apresentada com profundidade e traços bem definidos, que deixam adivinhar storylines paralelas também bastante 'fora'.

 

Aos poucos, vai-se desenhando uma linha narrativa suportada por um trauma, consciente ou inconsciente, e por um passado que se esconde por baixo da superfície. É a sagacidade e perseverança de Harry que possibilita a sua real investigação e, consequentemente, o adensar do mistério que se desmancha episódio após episódio. «A Pecadora» surpreendeu pela sua ousadia e, para sorte do público português, não demorou a chegar ao catálogo da Netflix. Uma maratona irresistível e passível de resultar em dependência...

 

 

19 de Fevereiro, 2018

O Assassinato de Gianni Versace: Onde é Que Arranjaste Tanto Estilo, Pá?

Sara

O arranque luxuoso de «American Crime Story: O Assassinato de Gianni Versace», com uma sonoridade a fazer lembrar um outro épico bíblico, é, na sua essência, uma experiência quase mística. Ainda assim, e embora funcione como uma boa distração perante a incoerência narrativa, traduz a incursão extravagante de uma história erguida sob uma superfície demasiado frágil.

 

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Há uma cena célebre de um programa qualquer do José Figueiras, perdido algures nos anos 90, na qual um elemento da plateia pergunta ao apresentador onde foi arranjar tanto estilo. A mesma pergunta que ecoa, ainda que de forma menos inocente, quando assistimos ao primeiro episódio da segunda temporada de «American Crime Story». A vida de Versace esbanja glamour, numa caraterização sublime daquela época [como diria uma amiga minha, seria mais difícil se fosse Tom Ford], mas a qualidade está longe de ser a mesma a nível de argumento. A preocupação estética está lá, mas o resto é um conjunto de nadas, ou de muito pouco.

 

Antes de mais, é preciso esclarecer uma coisa: o protagonista desta história não é Versace, interpretado aqui pelo venezuelano Edgar Ramírez, mas antes o assassino em série Andrew Cunanan (Darren Criss). Os criadores usam e abusam da sua liberdade criativa para construir e dar profundidade àquele que é, muito provavelmente, o papel da vida de Criss, que já tinha colaborado com o produtor executivo Ryan Murphy em «Glee». Menos sorte tem Donatella Versace (Penélope Cruz), que faz jus à sua fama de pessoa complicada.

 

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É difícil ficar indiferente ao homicídio de Versace. Seja pela sua dimensão no mundo da moda, seja pela sua presença social enquanto celebridade – à qual a minha geração escapou –, há um apelo forte à nossa veia voyeurista mal ouvimos o seu nome. Deste modo, há acontecimentos do episódio inicial que nos saciam um pouco a curiosidade, ainda que o namorado de então do estilista, Antonio D'Amico, vivido na série por Ricky Martin, já tenha dito que não terá sido bem assim. Não obstante, o ritmo composto até ao disparo fatal, datado de 15 de julho de 1997, é, na sua base, bem conseguido. O pior é depois.

 

Além dos constantes avanços e recuos temporais, que acontecem sobretudo, e numa fase inicial, para relacionar Cunanan e Versace, há também uma certa decadência narrativa que baixa abruptamente a intensidade do arranque. Como se o clímax fosse atingido ao fim dos primeiros cinco minutos e o resto fossem fait divers. É inegável, apesar de tudo, a atenção problematizada à temática da homossexualidade nos anos 90, uma altura bem mais conturbada do que os dias de hoje. Versace, polémico por natureza, assumiu publicamente que era gay e nem sempre é fácil separar o 'boneco', criado ao longo dos anos, do problema real e inegável do preconceito. A série tenta fazê-lo.

 

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Após «Feud», protagonizada por Jessica Lange e Susan Sarandon, a única envolvida ainda viva, Olivia de Havilland [atualmente com 101 anos], veio mostrar o seu desagrado com a suposta mentira por detrás da trama 'factual'. Desta feita, é a família Versace a mostrar-se desagradada com a segunda temporada, sendo que ainda não se sabe até onde Donatella e companhia estarão dispostos a ir. Até ao momento, a polémica apenas ajudou o marketing. E, quando «Feud» se centrar em Carlos e Diana, como vai reagir a Família Real Britânica? E o próprio público?

 

Por diversas vezes, Ryan Murphy, que está agora a caminho da Netflix na sequência de um negócio estratosférico, defendeu que não está a fazer documentários – está a (re)imaginar acontecimentos factuais. O que, trocado por miúdos, quer basicamente dizer que os nomes reais ajudam o marketing, mas esqueçam o rigor histórico. Confusos? É como as letras pequeninas dos contratos, passíveis de passarem despercebidas e capazes de resultar em chatices valentes. Se ninguém reparar, tanto melhor; é que se esta fosse a história de um qualquer Joaquim e não do Gianni, o hype seria bem diferente, certo?

 

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Inicialmente, a segunda temporada de «American Crime Story» deveria ser sobre o furacão Katrina, mas a agenda ocupada da anunciada protagonista Annette Bening complicou as contas. Como tal, fica a dúvida: terá a história de Versace sido apressada para cumprir os prazos expectáveis pela FX e restantes produtores? É, no mínimo, questionável tratar-se de uma série com uma só base: o livro escrito pela jornalista da Vanity Fair Maureen Orth, Vulgar Flavors, de 1999. Ou seja, algo que foi publicado menos de dois anos depois do crime e que tem quase 20 anos.

 

Aponta-se o caráter sensacionalista da obra, baseada supostamente em comentários de pessoas que não estiveram diretamente envolvidas no caso, e cuja veracidade é, consequentemente, questionada pela família Versace e não só. Como tal, muitos garantem que as 'verdades absolutas' de Orth, como o facto de Versace ter SIDA, não passam de falsos rumores. Não teria sido interessante confrontar aquilo que a autora defende, que mais não fosse para reforçar a tese de «O Assassinato de Versace»? Ao que tudo indica, os criadores da série nem tentaram... "Não é um documentário". Está bem então.

 

 

16 de Fevereiro, 2018

É Tudo Uma Porcaria!: Uma Série Sobre a Pior (Ou Melhor) Época das Nossas Vidas

Sara

A nova série da Netflix, cuja primeira temporada será lançada na totalidade no dia 16 de fevereiro, às 8 horas, tem como palco um liceu norte-americano nos anos 90. A METROPOLIS já iniciou este regresso ao passado; acompanha-nos nesta viagem?

 

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É inevitável enquadrar a estreia de «É Tudo Uma Porcaria!» [«Everything Sucks!» no original] entre as apostas de sucesso do serviço de streaming Netflix, na linha de «Stranger Things» e «Por 13 Razões». A série criada por Ben York Jones e Michael Mohan leva-nos de volta aos anos 90, mais concretamente a 1996, e pega num grupo de jovens 'caloiros' no liceuLuke (Jahi Di'Allo Winston), Tyler (Quinn Liebling) e McQuaid (Rio Mangini) –, que se prepara para enfrentar os obstáculos mais difíceis da adolescência: os miúdos populares. No entanto, não se deixem enganar por estereótipos ou ideias feitas.

 

Pulseiras que rodeavam o pulso após uma ‘pancada’, Trolls e uma sucessão de 'quantos-queres'. Ainda o primeiro episódio mal começou e já fomos transportados para outros tempos, que ecoam memórias não apenas dos adolescentes de 90, mas também dos anos seguintes. É que, apesar de «É Tudo Uma Porcaria!» ser uma série tipicamente americana, há muitas brincadeiras juvenis que nos remetem também para o passado português. Mas apertem bem os cintos, porque a viagem não acaba aqui: há a caraterização pelo vestuário, um clube audiovisual (como em «Stranger Things») e preconceitos sobre os quais mal se ousava falar.

 

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Ao mesmo tempo que é um passado recente que nos parece já muito distante, demonstra ainda como, em termos sociais, as pessoas não evoluíram tanto como se julga. Enquanto «Stranger Things» se situava na década de 80, e frisava recorrentemente essa realidade, a nova série da Netflix opta por fazer enquadramentos sobretudo visuais e de caraterização. Da mesma forma, organiza o ambiente com música, linguagem e referências espaciais e pormenorizadas a momentos ou tendências que marcaram aqueles que experienciavam a adolescência há 20 anos.

 

Ainda assim, e ao contrário da trama dos irmãos Duffer, tem o principal conflito na rotina escolar, a partir da qual aproveita para escalar para uma discussão muito maior. Não é apenas uma batalha entre geeks e alunos populares – embora por vezes até pareça. Nada é inocente e, tal como se suspeitava, esta não é uma série infantojuvenil: atravessa gerações e dirá muito, certamente, aos nascidos nos anos 80 – e não só. Por seu lado, o elenco jovem soma créditos de respeito. Peyton Kennedy fez 14 anos recentemente, e já conta com uma carreira de quase seis anos. Jahi começou mais tarde, em 2016, mas soma créditos em êxitos como «Feed The Beast».

 

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Este duo, no qual se centra parte da storyline, serve de exemplo para a qualidade que se pode encontrar em «É Tudo Uma Porcaria!», pelo que o melhor é não se deixarem enganar pela sua aparência franzina! É uma comédia, sim, mas é muito mais que isso: é uma discussão inevitável sobre as nossas memórias, as nossas experiências e, sobretudo, sobre a forma como a adolescência mexeu connosco e moldou a nossa personalidade. Afinal, para os mais jovens, tudo se vive com uma tal intensidade que todos os dias podem ser o fim do mundo...

 

Texto originalmente publicado na Metropolis.

 

 

 

14 de Fevereiro, 2018

The Brave: Dos Bravos Não Reza a História

Sara

A nova aposta do AXN Portugal recria um tema 'batido' com um elenco bastante competente. Sem grande alarido ou exageros narrativos, «The Brave» recorre a personagens bem construídas e a um argumento cativante para fazer a diferença num tópico atual e com muita concorrência na TV e no cinema. Nos EUA, a série perdeu o primeiro round.

 

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Castigada pela crítica e pelas audiências nos Estados Unidos, sobretudo na reta final da primeira temporada, «The Brave» chegou a Portugal aparentemente na mó de baixo. No entanto, e contrariando as expetativas criadas pelas reações internacionais, a nova série do AXN Portugal cumpre aquilo que promete: uma ficção competente de uma realidade que, sendo desconhecida, marca frequentemente a atualidade noticiosa (nem sempre diretamente). As missões secretas e arriscadas são um caso sério, mas «The Brave» acompanha-as de um twist cómico, e ligeiro, sem se esquecer de desenvolver as suas personagens.

 

Partindo de intervenientes estereotipados à partida, «The Brave» obriga-os a crescer para além disso e dá-lhes personalidade, criando elementos auxiliares e antagónicos que, no seu relacionamento, potenciam a ação. Desta forma, cada decisão tem, além da natural componente técnica, uma forte veia 'humanizante', que aproxima os militares e os decisores do público. Esta atitude nada inocente da narrativa simplifica a relação do espectador com «The Brave», sem a anular, e, consequentemente, também influencia a própria visão que se cria dos militares reais. São humanos – mesmo que a referência a números ou casos vazios leve a que, por vezes, seja fácil 'esquecer' isso.

 

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Anne Heche e Mike Vogel são a dupla por que esperávamos; nós é que não sabíamos. Sem muita sorte nos projetos recentes, nomeadamente em duas séries sobre o Apocalipse que não foram renovadas, os dois atores encontraram-se pela primeira vez em «The Brave»… mais ou menos. Patricia (Heche) está na capital dos Estados Unidos, Washington, D.C., e Adam (Vogel) está onde a ação acontece. Os dois comunicam regularmente, com Patricia, que regressa ao trabalho após o luto pelo filho – morto em combate –, a liderar as ocorrências à distância e Adam a comandar uma equipa no terreno, onde tem de reagir às situações e ao perigo que encontra. Nenhum deles é, por norma, intransigente na posição que assume e isso faz com que a ação flua com maior naturalidade e sem um constante recurso à tensão intermédia – ainda que tal possa acontecer, inevitavelmente.

 

A dupla de protagonistas estabelece a ligação com as demais personagens, que têm traços bem definidos de personalidade e possibilitam, por isso mesmo, uma maior consistência no diálogo e no decorrer da ação. Há pessoas de diferentes culturas e origens e, até quando «The Brave» se torna mais previsível, há sempre espaço para uma surpresa. Os casos mais sensacionalistas poderiam, à partida, ameaçar a verosimilhança da narrativa, mas, em vez disso, permitem que esta reforce alguns dos seus aspetos. Quer isto dizer que, sem tornar a ficção totalmente irreal, «The Brave» consegue desafia-la – bem como à própria realidade – para reforçar que não é uma série documental, mas antes uma homenagem subentendida aos heróis de que nunca se conhece a história.

 

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Não podemos ignorar que também joga contra «The Brave» o facto de surgir na mesma altura que «SEAL Team», exibida em Portugal pelo TVSéries, e «Valor». Embora se tratem de séries diferentes, a verdade é que pode considerar-se um número excessivo de apostas novas sobre um tema tão específico, e já naturalmente com um público-alvo definido. Em terras lusas não se sentiu tanto esta aproximação – pela distância temporal entre as estreias –, mas, tal como acontece com os castigos coletivos, Portugal pode muito bem 'pagar' pelas decisões do outro lado do Oceano. Até ao momento, ainda não se sabe se «The Brave» vai regressar para uma segunda temporada.

 

 

Texto originalmente publicado na Metropolis nº57.

 

 

12 de Fevereiro, 2018

Here and Now: «Sete Palmos de Terra» Encontra «True Blood» (e é Tão Bom!)

Sara

A nova série do criador Alan Ball estreou esta madrugada na HBO – e no canal TVSéries em simultâneo. A METROPOLIS já assistiu aos primeiros episódios e prepara-o para o que aí vem.

 

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Uma das maiores desilusões dos espectadores de «True Blood», no ar entre 2008 e 2014, era 'matar' a ausência da série com os livros de Charlaine Harris, a base da história, e perceber a diferença brutal de qualidade entre ambos. Faltava-lhe a 'toque de Midas' de Alan Ball, o responsável pela adaptação televisiva, de regresso então à cadeira de criador após a icónica «Sete Palmos de Terra». O talento de Ball para desenvolver personagens, como atestado pelo seu Óscar por «Beleza Americana» (1999), desarma qualquer um: até nas narrativas mais surreais, como era a de «True Blood», sobressai o cuidado rigoroso com os seres que habitam a ficção.

 

«Here and Now», que põe fim a uma ausência de quatro anos como criador, não é exceção. A série, que estreou esta madrugada no TVSéries, reúne Holly Hunter, Tim Robbins e um elenco de atores jovens e bastante promissores. A narrativa forma-se em torno de uma família multirracial, composta pelo casal Audrey (Hunter) e Greg (Robbins), a filha biológica e adolescente Kristen (Sosie Bacon) e o trio de filhos adotados: Ashley (Jerrika Hinton, a Dra. Stephanie de «Anatomia de Grey»), da Somália, Duc (Raymond Lee), do Vietname, e Ramon (Daniel Zovatto), da Colômbia. Como se a pluralidade de culturas – e consequente encontro e desafio de estereótipos – não fosse suficiente, é adicionado ainda um novo drama relacionado com Ramon, que fica obcecado com os números "11:11" e, por isso, deixa a família em estado de alerta.

 

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Ainda que seja uma comparação superficial, há muito em «Here and Now» que resulta da combinação das últimas duas séries criadas por Ball, «True Blood» e «Sete Palmos de Terra». Como se finalmente tivesse tido acesso a uma qualquer revelação mística, Ball combina o rigor da segunda com a vertente sobrenatural da primeira, sem, ainda assim, depender excessivamente de nenhuma delas. Mas, afinal, o que quer isto dizer? Que «Here and Now» está dentro da qualidade de escrita e desenvolvimento a que Ball nos tem vindo a habituar e, ao mesmo tempo, oferece-nos algo de novo. Com uma família tão alargada como é a de Audrey e Greg, é impressionante testemunhar a atenção profunda e equilibrada que Ball dá a todos eles. E ainda a personagens secundárias.

 

Para os mais céticos, que não gostam particularmente da componente mística de «Here and Now», há um drama familiar e social muito intenso, que extravasa os limites dos protagonistas. Para os adeptos de séries dentro do estilo de «True Blood», há um mistério transversal a todos os episódios, em crescimento recorrente, que vai atiçando a curiosidade em relação ao que está na origem de tudo. Como bem sabemos, agradar a Gregos e Troianos não é nada fácil, mas Alan Ball anda lá perto e, embora não fosse obrigado a esse esforço, quer agradar aos diferentes tipos de fãs que cativou ao longo de quase 20 anos.

 

Texto originalmente publicado na Metropolis.

 

 

02 de Fevereiro, 2018

A Culpa é de «Will & Grace»

Sara

Fevereiro começa da melhor maneira, com a estreia da 9ª temporada de «Will & Grace» no TVSéries. A série, no ar entre 1998 e 2006, regressou 11 anos depois e já tem a 10ª temporada garantida.

 

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Porque é que a culpa é de «Will & Grace»? Embora não se possa apontar responsabilidades apenas à nova estrela da grelha do TVSéries, a verdade é que o êxito deste regresso parece ter alimentado a vontade de replicar a fórmula noutras séries. Numa altura cada vez mais populada de remakes, prequelas, sequelas, spin-offs e reciclagem de ideias, o sucesso de «Will & Grace», que nos Estados Unidos estreou em setembro, veio provar que essas apostas, afinal, continuam a ter público. Podem seguir-se os reboots de «Charmed», «Roswell» e «Miami Vice», a adaptação para TV de «Atração Mortal» (1988) e o regresso de Candice Bergen como «Murphy Brown».

 

Com duas nomeações aos Globos de Ouro de há algumas semanas, nas categorias de melhor ator de comédia (Eric McComarck) e melhor série cómica, «Will & Grace» vingou num ano repleto de séries novas e refrescantes, premiando o voto de confiança dado pela NBC, que aproveitou o insucesso recente dos protagonistas. Entre cancelamentos, apostas falhadas e alguma desorientação nas carreiras, a recuperação de «Will & Grace» possibilitou uma viagem ao passado – pelo presente – que já poucos achariam possível. Ainda assim, as nomeações não resultaram em prémios, pelo que a série continua sem vitórias apesar das 29 indicações totais.

 

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Quanto à nova temporada de «Will & Grace», com estreia em Portugal a 1 de fevereiro, há muitas surpresas e ecos de um passado que conhecemos muito bem. Por um lado, e apesar da longa convivência com Will (Eric McCormack), Grace (Debra Messing), Jack (Sean Hayes) e Karen (Megan Mullally), ainda há espaço para o choque e, sobretudo, para provocar o desconforto do espectador. Seja pela crítica direta a Donald Trump no episódio piloto, sem qualquer pudor ou 'paninhos quentes', ou seja pelo desafio dos estereótipos e dos preconceitos sociais.

 

«Will & Grace» tem mais para oferecer do que imaginávamos. Ao contrário do que os ditos populares tantas vezes defendem – com a ideia de que só valorizamos algo quando o perdemos –, a verdade é que só quando voltámos a ter a série da NBC nos lembrámos de quanto gostávamos dela. Ou como faz falta um comentário brincalhão mas despretensioso, sem suavizar a crítica em função da audiência e sem castigar as personagens para obter resultados mais imediatos. A série dá tempo a si própria, e como tal também ao público, para se adaptar à nova realidade, com tudo o que isso implica. Resta saber se é capaz de repetir a proeza novamente, com o regresso já anunciado para a 10ª temporada.

 

Texto originalmente publicado na Metropolis.